Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2021 - ano 62 - número 338 - pág.: 62-64

4º Domingo da Páscoa – 25 de abril

Por Marcus Mareano

O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas

I. INTRODUÇÃO GERAL

Todo 4º domingo da Páscoa é dedicado ao “Bom Pastor”. O Evangelho não apresenta mais um encontro do Ressuscitado com a comunidade de fé, e sim como ela o percebe e descreve, com base na imagem do pastor.

O povo de Israel cultivou uma vida pastoril e nômade. Então, era comum, no imaginário das pessoas, o campo, o pastor, as ovelhas, o ladrão e as pastagens. Tal linguagem e atividade ocupavam o cotidiano daquele povo. Por isso, algumas vezes se recorre à metáfora do pastor para explicação de algo (Gn 48,15; 49,24).

O pastor representa dedicação, cuidado e oferta de si (dar a vida). O Senhor Deus é comparado a um pastor (Sl 23,1-4; 78,25-26; 95,7) de Israel. A comunidade cristã demonstra que o Ressuscitado, o pastor bom (Jo 10,1-18), dá sua vida ressuscitada às ovelhas (quem se dispõe a viver a fé nele).

Da mesma maneira, os cristãos e cristãs de hoje são sacramentos (sinais) de Cristo, bom pastor, uns para os outros. Assim, faz sentido o serviço pastoral da Igreja se houver dedicação, cuidado e oferta de si, a exemplo de Jesus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 4,8-12)

Continuando, neste tempo pascal, a leitura dos Atos do Apóstolos, temos, no trecho de hoje, a defesa de Pedro perante o sinédrio. As acusações contra o apóstolo se devem à cura de um aleijado na porta do templo (3,1-10).

Em virtude do ato de Pedro e João, os sacerdotes judeus e os saduceus, irritados com os dois discípulos, prendem-nos, para que cessem a pregação deles e as ações que causam admiração no povo (4,2-4). No dia seguinte, as lideranças de linhagem sacerdotal se reúnem para o julgamento daqueles que, no dizer de alguns judeus, causavam agitação social (4,5). Os chefes propõem a seguinte questão a Pedro e João: “Com que poder ou em nome de quem vós fizestes isso?” (4,7). A mensagem de Jesus incomodou esse grupo judaico, e a pregação dos apóstolos (continuidade de Jesus) incomoda da mesma forma.

Pedro, cheio do Espírito Santo (Mt 10,20), isto é, inspirado por Deus, toma a palavra para sua defesa (v. 8). De um lado, a hipocrisia e a intriga dos representantes de Jerusalém; de outro, Pedro que fez o bem e fala movido por Deus. Ele explica que a cura se realizou em nome de Jesus, crucificado pelos chefes judaicos e ressuscitado por Deus (v. 10).

Continuando, Pedro recorre ao Sl 118,22 para justificar a falha daqueles julgadores. A pedra angular era a principal, aquela com base na qual se construía um edifício. Jesus representa essa pedra fundamental, que deveria ser considerada, no entanto foi desprezada por eles. Logo, eles permanecem no engano do pecado e no fechamento de coração à compreensão da mensagem de Jesus.

Não há outro nome (outra pessoa) pelo qual devamos ser salvos (v. 12). Desprezar a Cristo é condenar-se a uma vida sem comunhão de amor com Deus e com as pessoas. O ódio e a ira, que caracterizavam as ações dos condenadores, expressam o fechamento ao Evangelho, que é amor, perdão e misericórdia.

Pedro não teme as consequências do anúncio de Jesus Cristo. Embora corresse risco de vida, prefere permanecer na convicção de fé e na experiência que dá sentido à sua vida. Nossa fé em Cristo atualmente também pode sofrer outros tipos de hostilidade e rejeições. Cabe-nos a sabedoria e a ousadia para dar continuidade à proclamação dessa Boa-nova.

2. II leitura (1Jo 3,1-2)

A segunda leitura apresenta as consequências do amor de Deus na vida humana. Possuímos uma identidade própria de filhos de Deus (Jo 1,12-13). Portanto, ele é um Pai, conforme ensinou Jesus, a quem podemos recorrer destemidamente e no qual podemos confiar irrestritamente.

Por sermos filhos de Deus, o mundo não nos reconhece como tais, porque não entende sobre as coisas de Deus, o qual Jesus, por sua palavra e obra, nos revelou (Jo 1,18; 14,9). Os filhos refletem os pais. O mundo, na linguagem joanina, recusa a Palavra de Deus; logo, rejeita também seus filhos, pela mesma ignorância.

Vivemos a condição de filhos amados por Deus em uma dinâmica escatológica. “Já” somos filhos, mas “ainda não” plenamente. O processo de filiação continua com nossa maneira de viver. Na dinâmica do tempo presente, temos de fazer crescer esse dom presente em nós até a plenitude final, quando seremos semelhantes a Cristo, o Filho primogênito de Deus. Nós o veremos “face a face”, na destinação para a qual nascemos.

3. Evangelho (Jo 10,11-18)

O Evangelho propõe o tema central da liturgia: o “Bom Pastor”. Na primeira parte da alegoria (10,1-10 – lida no Ano A), Jesus é comparado com a porta do redil pela qual as ovelhas entram (10,7.9). Na segunda parte, lida neste domingo, Jesus é o próprio pastor, em oposição aos mercenários (v. 11).

O evangelista apresenta Jesus como um pastor valoroso, fidedigno, belo, excelente e, portanto, bom (a tradução comumente empregada – “bom” – enfraquece o sentido amplo da palavra no original). Ao contrário, os interesseiros, que cuidam apenas por dinheiro em troca, não são capazes de dar a vida pelas ovelhas, pois só querem o salário da jornada de trabalho (como os maus pastores de Ez 34,3-8). Jesus não cuida em vista de uma remuneração, as ovelhas pertencem ao Pai e a ele (v. 14-16). Ele age como proprietário, que nada é sem suas ovelhas.

A linguagem do evangelista não se limita à comparação entre o dono do redil e o empregado. Mais do que um dono do redil, Jesus “conhece” as ovelhas, e vice-versa (v. 14). Conhecimento entendido não como operação intelectual, mas como experiência de uma presença (14,20; 17,21-22), que desabrocha em amor (Os 2,22; 1Jo 1,3). Assim, Jesus conhece suas ovelhas, da mesma forma como conhece o Pai e o Pai o conhece (v. 15). Por isso, é capaz de dar a vida, porque ama (v. 13).

Contudo, Jesus não possui apenas as ovelhas do seu redil. Ele tem algumas ovelhas dispersas (de Israel ou fora dele) para reconduzir, a fim de que haja um só rebanho, com um só pastor (Ez 37,24). Quem se dispõe a ouvir a voz do pastor fará parte desse rebanho único, querido por Jesus. De fato, no início da comunidade cristã, muitos cristãos eram oriundos de ambiente pagão. Importava dar ouvidos para seguir os passos do pastor.

Por fim, no trecho do Evangelho, Jesus fala do dom de sua vida ofertada por amor (v. 17-18). O gesto é motivado pelo amor do Pai. Ele ama Jesus, que busca corresponder a esse amor, amando e oferecendo a si mesmo. Ninguém tira a vida de Jesus (7,30.44; 8,20; 10,39); ele a oferta livremente, até a morte de cruz, e a acolhe de volta na ressurreição (13,1-3; 17,19). Isso sintetiza a missão que Jesus recebeu do Pai.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Cada liturgia é celebração do dom da vida de Jesus para a humanidade. Ele é quem livremente se doa para nossa salvação. Trata-se de um mistério celebrado para que seja assimilado e vivenciado.

Destacamos, na primeira leitura, a coragem e a ousadia de Pedro perante o sinédrio. Outros “sinédrios” da atualidade nos desafiam, para que respondamos movidos pelo Espírito Santo, que inspirou o apóstolo a proclamar a fé em Cristo. Muitas adversidades enfrentamos no seguimento de Cristo, mas o anúncio do Evangelho tem de continuar.

A dignidade de “filhos de Deus” não pode ser mero discurso em nossas comunidades. Precisamos assumir, nas ações, esse lugar de filhos e filhas amados por Deus. Consequentemente, viver como irmãos uns dos outros, na prática do amor, do perdão e da misericórdia.

Recordar o Bom Pastor é saber-nos cuidados por Deus. Vivemos em uma sociedade que gera exaustão, pelo volume de atividades, informações e velocidade. Não podemos nos esquecer do refúgio nos braços desse pastor que dá a vida por nós. Um espaço onde repousamos e restauramos nossas forças.

No entanto, também temos o compromisso de cuidar uns dos outros e ser sinais do Bom Pastor para as pessoas. Esse é o sentido de “fazer” pastoral. Não se trata tanto de multiplicar atividades e encher a agenda de tarefas, mas, sobretudo, de cuidar bem das pessoas e empenhar os meios em prol disso. Desse modo, a Igreja se torna o lugar do cuidado, da fraternidade e da vivência dos filhos e filhas de Deus.

Marcus Mareano

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Professor de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]