Roteiros homiléticos

Publicado em maio–junho de 2020 - ano 61 - número 333 - pág.: 42-45

5º Domingo da Páscoa – 10 de maio

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

O Ressuscitado é Caminho, Verdade e Vida

I. Introdução geral

A liturgia deste domingo favorece profunda reflexão sobre a comunidade cristã e sobre a identidade de Jesus como o Caminho, a Verdade e a Vida. A primeira leitura ensina que a comunidade que permanece fiel ao mandato de Jesus, aberta ao Espírito Santo e perseverante na oração é capaz de resolver os conflitos que ameaçam a sua unidade, harmonizando o anúncio da Palavra com a atenção às pessoas mais necessitadas. A segunda leitura apresenta a Igreja como um edifício espiritual, tendo o Cristo ressuscitado como fundamento e todos os cristãos como pedras vivas dessa construção. No evangelho, o ponto alto é a apresentação de Jesus como o revelador do Pai por excelência e, por isso, o único caminho viável para a comunidade seguir.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: At 6,1-7

Esta leitura recorda a primeira crise da comunidade cristã primitiva, fundada em Jerusalém, no dia de Pentecostes (cf. At 2). Até então, essa comunidade fora descrita somente com características positivas, beirando à perfeição, com destaque para a generosidade e a partilha, a perseverança e o entusiasmo (cf. At 2,42-47; 4,32-35). Pela primeira vez, o autor fala de um problema concreto, causado por um conflito envolvendo os dois grupos que formavam a comunidade: os cristãos de origem grega e os de origem hebraica. Ambos os grupos eram compostos de judeus convertidos ao cristianismo. Os de origem hebraica, oriundos do judaísmo tradicional, sempre viveram na Palestina, falavam aramaico e liam as Escrituras em hebraico; os de origem grega, por sua vez, provinham do judaísmo da diáspora, falavam e liam as Escrituras em grego, eram menos ortodoxos e mais abertos. O centro do relato, no entanto, não é o conflito em si, mas a capacidade de superação demonstrada pela comunidade, sob a liderança dos apóstolos.

O v. 1 já descreve o conflito e sua gravidade: surgiu uma tensão entre os fiéis de origem grega e os de origem hebraica, devido à falta de assistência às viúvas do primeiro grupo. Temos aqui uma denúncia grave, pois as viúvas, como uma das principais categorias de pessoas vulneráveis em Israel, deveriam ser assistidas com prioridade em suas necessidades mais básicas, como a alimentação; era inadmissível, portanto, que fossem negligenciadas na comunidade cristã, até pouco tempo descrita como modelo de solidariedade e partilha (cf. At 2,42-47; 4,32-35). Comprometidos, acima de tudo, com o anúncio da Palavra, os apóstolos reconhecem que o serviço das mesas também é essencial para a vida da Igreja, mostrando-se sensíveis às pessoas mais necessitadas. Por isso, sem impor nenhuma decisão, buscam a resolução do problema em comunhão com a comunidade (cf. v. 2), propondo a escolha de sete homens íntegros e dóceis ao Espírito Santo para o serviço das mesas (cf. v. 3). Os apóstolos não concentram todas as funções, mas fazem suscitar novos ministérios de acordo com as necessidades da comunidade; exercem a autoridade confiada por Jesus, mas sem autoritarismo. É a própria comunidade quem escolhe (cf. v. 5); os apóstolos confirmam as escolhas com a oração e o rito de imposição das mãos (cf. v. 6), e assim a Palavra continua se espalhando e a Igreja crescendo (cf. v. 7).

A maneira participativa e descentralizada pela qual a comunidade resolveu a sua primeira grave crise revela como os apóstolos assimilaram Jesus Cristo ressuscitado como o Caminho, a Verdade e a Vida, colocando-o como o centro da vida da Igreja. De fato, os apóstolos e todas as demais lideranças não são mais que instrumentos que ajudam a manter a centralidade do Ressuscitado na comunidade cristã.

2. II leitura: 1Pd 2,4-9

A segunda leitura desta liturgia ainda é retirada da primeira carta de Pedro, cuja contextualização fizemos brevemente no comentário do último domingo. No trecho lido neste dia, o autor apresenta a comunidade cristã como um edifício espiritual (cf. v. 5) cujo fundamento é o Cristo ressuscitado, designado como a “pedra angular” (vv. 4.6-7), e os tijolos são todos os batizados e batizadas (cf. v. 5). O construtor é o próprio Deus, o Pai. A imagem da pedra angular, aplicada a Jesus, remete a Is 28,16 e ao Sl 118,22.

Aos cristãos perseguidos – os destinatários primeiros do texto –, o autor faz um convite carregado de esperança e válido para todas as épocas: “aproximai-vos do Senhor” (v. 4). Muitos cristãos eram hostilizados na época exatamente porque tinham adotado o estilo de vida de Jesus. Paralelamente ao convite, vem a recordação de que também Jesus, constituído como o fundamento da grande construção de Deus, foi rejeitado e descartado pelos construtores, isto é, pelas autoridades políticas e religiosas que o crucificaram (cf. vv. 6-7). Com a ressurreição, no entanto, ele tornou-se a pedra angular. Como é próprio de Deus tornar forte o que a humanidade descarta, também os cristãos que perseveram na fé (cf. v. 7) são incorporados ao Cristo ressuscitado na edificação da Igreja, como pedras vivas.

Assim, o antigo templo de pedras é substituído pelo templo vivo que é a Igreja, enquanto comunidade dos que creem e acolhem a Palavra, formando um povo todo sacerdotal e capaz de fazer da própria vida uma oferta perene e agradável a Deus.

3. Evangelho: Jo 14,1-12

O evangelho apresenta Jesus no cenáculo, durante a última ceia com seus discípulos. Todos têm consciência de que é chegada a fase final da sua vida terrena. Por isso, a cena é marcada, inicialmente, por um clima de angústia, medo e incertezas que, aos poucos, será transformado pelas palavras esclarecedoras e esperançosas de Jesus. Assim, de despedida dramática, a ceia se torna um momento privilegiado da autorrevelação de Jesus, gerando a certeza de que a sua partida, em vez de gerar ausência, é a garantia da sua presença perene no seio da comunidade cristã, após a ressurreição.

Antes de tudo, Jesus ensina aos discípulos que, para superar os medos e angústias na comunidade, é necessário ter fé (cf. v. 1); em seguida, anuncia que na casa do Pai há muitas moradas, preparadas por ele, graças à morte e ressurreição, e destinadas a toda a comunidade de discípulos (cf. v. 2). Em um movimento de partida-retorno, Jesus garante aos discípulos que estará sempre com eles, habitando as mesmas moradas que eles na casa do Pai (cf. v. 3). Ao contrário de como vem geralmente interpretado, a casa do Pai aqui não significa os céus, mas a própria comunidade cristã, e as muitas moradas são a diversidade de dons e carismas, serviços e ministérios que a compõem e são indispensáveis para a sua existência. Temos aqui uma mudança radical de paradigma: o Pai já não habita no templo de pedras, como acreditavam os judeus, mas na comunidade cristã e no coração de quem aceita seguir o caminho que é Jesus.

Depois de tanto tempo junto aos discípulos, Jesus esperava que eles já conhecessem o caminho a percorrer após a sua partida (cf. v. 4). Da ignorância deles nasce rico diálogo, iniciado por uma pergunta de Tomé a respeito do destino de Jesus e do caminho que eles devem seguir (cf. v. 5), cuja resposta é uma das mais profundas revelações de Jesus em todo o evangelho: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (v. 6a), além de reforçar sua condição de único mediador entre a humanidade e o Pai (cf. v. 6b). Com essa resposta, Jesus diz que é tudo para a comunidade; essa não necessita de nada que não esteja relacionado à sua pessoa. O itinerário que a comunidade deve percorrer é a sua própria trajetória de vida, por isso ele é o Caminho; tudo o que a comunidade deve anunciar é o que ele mesmo ensinou com palavras e sinais, por isso ele é a Verdade; e a vida a ser vivida é conforme aquela que Jesus doa em abundância, por amor, e por isso ele é a própria Vida. A expressão “Caminho, Verdade e Vida”, portanto, é a síntese da pessoa de Jesus e de tudo o que a comunidade necessita para ser a verdadeira casa do Pai.

O diálogo continua com uma intervenção de Filipe, pedindo que Jesus mostre o Pai (cf. v. 8). A resposta de Jesus soa como um lamento, pois, àquela altura, desconhecer o Pai significa não ter ainda assimilado os seus ensinamentos e a sua própria pessoa, uma vez que ambos vivem em perfeita unidade (cf. vv. 9-11). O conhecimento do Pai passa, portanto, pela escuta e pelo seguimento de Jesus, e é disso que a comunidade necessita para fazer a sua obra de amor continuar crescendo (cf. v. 12), à luz da ressurreição, em uma dimensão ainda maior.

III. Pistas para reflexão

A certeza de que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida significa que ele deve ser o referencial para todas as dimensões da vida eclesial. Quando a comunidade absorve essa certeza, torna-se a casa do Pai, com moradas suficientes para todas as pessoas mediante a diversidade de carismas e serviços, que visam sempre ao bem comum. A atenção aos mais necessitados é um dos sinais que indicam se uma comunidade é realmente casa do Pai, uma construção viva, que tem o Cristo ressuscitado como pedra angular.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).