Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 60-62

7º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 20 de fevereiro

Por Izabel Patuzzo

Sede misericordiosos

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste domingo nos faz refletir sobre um tema muito importante para nossa fé cristã: a relação com nossos inimigos ou com aqueles que se opõem aos valores evangélicos que abraçamos. As leituras nos convidam a substituir a lógica da violência e hostilidade pela lógica do amor incondicional, inspirado na misericórdia divina.

A primeira leitura nos apresenta um fato ocorrido com o célebre rei Davi, o qual, diante da oportunidade de eliminar Saul – que havia se tornado seu inimigo –, não se beneficiou dessa vantagem. Ao contrário, teve a consciência de que a vida de seu inimigo pertencia a Deus, por isso deixou que Deus fizesse a justiça, segundo seus desígnios.

A segunda leitura dá continuidade à catequese de Paulo acerca da ressurreição. A lógica que nos move em direção à vida eterna é o amor a Deus e ao próximo. O exercício da construção da paz por meios pacíficos é um dos caminhos para nos prepararmos para a vida plena que Deus nos reserva no futuro.

O Evangelho é a continuidade do ensinamento das bem-aventuranças. As palavras de Jesus nele nos são muito familiares. Elas constituem a regra de ouro para o caminho do discipulado: amar até os inimigos. Isto é, aquelas pessoas que nunca irão retribuir o bem que lhes fizermos. Não julgar nem condenar: somente Deus tem autoridade para tanto. Mesmo assim, ele sempre prefere usar de misericórdia, proporcionando ao pecador a possibilidade de conversão.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23)

Esse texto do primeiro livro de Samuel relata os diversos conflitos no início da monarquia em Israel. Ele pertence a um conjunto de escritos que descrevem a ascensão do rei Davi e seus confrontos com Saul. O texto narra um dos confrontos entre os que apoiavam a tomada de poder por parte de Davi e os que ainda apoiavam o rei Saul. A leitura retrata um período muito difícil, pois Davi se sentia o escolhido de Deus para assumir o trono, mas Saul ainda reinava. Diante da oportunidade favorável de atentar contra a vida de Saul, Davi se recusa a tirar a vida de seu inimigo, respeitando sua tradição israelita, fundamentada nos Dez Mandamentos.

O texto nos põe diante de duas formas de lidar com aqueles que agridem a vida, usam de violência e não governam o povo com sabedoria. Uma das formas de eliminar os que agem mal é atentar contra sua vida; a outra é de quem decide não entrar na lógica da violência. Essa foi a atitude do rei Davi, descrita pelos autores do livro de Samuel. Tal atitude deixa transparecer a ética, a virtude dos verdadeiros filhos de Israel; a sabedoria daqueles que se deixaram conduzir pela Lei de Moisés dada ao povo, e não por seus impulsos humanos. A lógica da violência sempre fez parte da história humana, mas temos também muitos exemplos de pessoas que usaram da não violência para construir a paz.

2. II leitura (1Cor 15,45-49)

O texto proposto para este domingo faz parte de longa catequese paulina acerca da ressurreição. Na tradição judaica, a ressurreição era concebida como uma continuação da vida terrena. Para os cristãos de Corinto, que vinham de outra tradição religiosa e cultural, esse ensinamento era totalmente novo. Paulo considerava importante afirmar que a crença na ressurreição exigia uma coerência de vida orientada para a existência futura, em comunhão com Deus. Para explicar esse mistério tão grande, o apóstolo recorre à imagem de Adão, a primeira criatura humana, moldada por Deus a partir da terra. Por um lado, a vida do ser humano, enquanto caminha neste mundo, terá seu fim com a morte; por outro, a vida em Cristo Jesus, o novo Adão, conduz-nos para a eternidade.

Pelo batismo, somos chamados a uma vida segundo o Espírito. Nele, somos sepultados para o pecado e renascemos na graça para a vida plena, na comunhão com Deus. Pelo batismo, fazemos parte do corpo espiritual, somos chamados a ter a vida em Cristo ressuscitado. Nele nos tornamos novas criaturas. Assim, Paulo nos ajuda a compreender que a fé na ressurreição nos mergulha numa vida totalmente nova. A morte é o fim da vida terrena, mas a meta final a ser alcançada é a vida plena em Cristo. Ele é o modelo de vida que devemos seguir; é à sua imagem que devemos moldar nossa vida e superar todas as formas de morte.

3. Evangelho (Lc 6,27-38)

O texto do Evangelho se inicia com um ensinamento desafiante de Jesus: amar os inimigos. Esse discurso segue a proclamação das bem-aventuranças, no domingo passado. Por conseguinte, os inimigos, aqui, são as pessoas que insultam, perseguem e rejeitam os discípulos de Jesus. São aqueles que, de uma maneira ou de outra, se opõem à comunidade cristã. Para formar correta interpretação das palavras de Jesus acerca de amar os inimigos, é preciso entender o que as Escrituras diziam a esse respeito. Quem é fiel a Deus acolhe os mandamentos do amor. Aos que perseguem a comunidade, os discípulos de Jesus devem responder positivamente, com uma atitude oposta, isto é, responder com atitudes que promovam a paz. O ideal de vida, segundo os ensinamentos de Jesus, é não responder a uma injúria com ódio. Quem procede com hostilidade e violência não participa da dinâmica do Reino de Deus. A exigência de amar e perdoar já era presente no Antigo Testamento. Diante das nações inimigas, Israel sempre se sentiu chamado a ser um povo que tinha uma prática e uma ética de respeito pelo inimigo.

Jesus vai muito mais além em seu ensinamento. Ao propor como máxima o amor ao próximo sem exceção, até mesmo a quem nos odeia, sugere que seus discípulos não devem apenas evitar responder às ofensas com a mesma violência, mas também desarmar a dinâmica do ódio, da ofensa e da agressividade com a prática do amor. Isso não significa ter uma atitude covarde ou passiva, nem colaborar com a injustiça e a opressão, e sim ser capazes de gestos concretos que invertam a espiral do ódio e da violência. Essa é a regra de ouro que o discípulo é chamado a pôr em prática. A moral dos pecadores é apenas amar os amigos, os que se identificam com seu pensar e agir. O agir cristão exige ir mais além: não pagar com a mesma moeda. O amor cristão inclui o perdão, o diálogo, a construção da paz por meios pacíficos. A misericórdia divina é também a medida para construir relações fraternas. O discípulo é convidado a expressar a bondade do próprio Deus, sendo construtor da paz. O agir cristão reconhece a presença do mal, mas não se deixa influenciar pela hostilidade, assumindo sempre o compromisso com o bem comum, fundamentado no mandamento do amor. Deus é capaz de amar muito além de todas as expectativas; sua misericórdia vai muito mais além do que podemos imaginar. O texto do Evangelho é um convite para que nossa resposta ao amor misericordioso de Deus seja também ir além das expectativas: fazer o bem até àqueles que não correspondem à nossa amizade ou amor.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Na lógica do mundo em que vivemos, não responder a uma atitude hostil ou violenta é sinal de fraqueza, medo, covardia e passividade. Desafiar um inimigo e pagar com a mesma moeda é visto como virtude, coragem e fortaleza. Muitos assumem posições radicais na sociedade, defendendo suas opiniões com extremismo. Tais princípios, muitas vezes, têm contribuído para polarizações destrutivas, que não apenas impedem o diálogo, mas também provocam profundas divisões entre grupos, pessoas, famílias e membros das comunidades. Atitudes como considerar o outro como inimigo, como oponente, podem desencadear muitos conflitos e levar as pessoas a praticar ações desumanas. Para um cristão, é possível acreditar que a dinâmica do confronto nos faz mais livres e felizes? O que se conquista com a destruição dos inimigos?

Segundo a proposta de Jesus, nossa força e coragem se manifestam precisamente por meio da capacidade de inverter a lógica da hostilidade, da rejeição e da violência, e estender a mão até a quem nos ofendeu, caso precise de nossa ajuda. Quem segue Jesus não pode adotar uma postura agressiva ou violenta para resolver uma situação de injustiça. O que caracteriza o cristão é a disposição para dialogar, para dar o primeiro passo em vista do reencontro, da reconciliação e do perdão. Isso não significa esquecer ou ignorar o mal, e sim tomar uma atitude positiva, não violenta, diante dos conflitos, proporcionando caminhos para a construção da paz.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]