Roteiros homiléticos

8 de junho – PENTECOSTES

Por Pe. Johan Konings, sj

A IGREJA, O ESPÍRITO E A UNIDADE

I. INTRODUÇÃO GERAL

Pentecostes é a plenificação do mistério pascal: a comunhão com o Ressuscitado é completada, levada à plenitude, pelo dom do Espírito, que continua em nós a obra do Cristo e sua presença gloriosa. A liturgia de hoje acentua a manifestação histórica do Espírito no milagre de Pentecostes (I leitura) e nos carismas da Igreja (II leitura), sinais da unidade e da paz que o Cristo veio trazer. Isso porque a pregação dos apóstolos, anunciando o Ressuscitado, supera a divisão de raças e línguas e porque a diversidade de dons na Igreja serve para a edificação do povo unido, o Corpo do qual Cristo é a cabeça. Ambos os temas, a diversidade das línguas e a unidade no Espírito, alimentam a reflexão de hoje.

No antigo Israel, Pentecostes era uma festa agrícola (primícias da safra, no hemisfério setentrional). Mais tarde, foi relacionada com o êxodo, evento salvífico central da memória de Israel, no sentido de comemorar a proclamação da Lei no monte Sinai. Tornou-se uma das três grandes festas em que os judeus subiam em romaria a Jerusalém (as outras são Páscoa e Tabernáculos). Foi nessa festa que se deu a “explosão” do Espírito Santo, a força que levou os apóstolos a tomar a palavra e a proclamar, diante da multidão reunida de todos os cantos do judaísmo, o anúncio (“querigma”) de Jesus Cristo. Seria errado pensar que o Espírito tivesse sido dado naquele momento pela primeira vez. Deus envia sempre seu Espírito, e o evangelho (de João) nos ensina que Jesus comunicou de modo especial o Espírito no próprio dia da Páscoa (cf. também o evangelho do segundo domingo pascal). O Espírito está sempre aí. Mas foi no dia de Pentecostes que essa realidade se manifestou ao mundo na forma do querigma cristão, aparecendo em forma de línguas e reparando a “confusão babilônica”.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 2,1-11)

A primeira leitura narra o milagre das línguas no dia de Pentecostes, interpretado como acontecimento escatológico à luz da profecia de Jl 3 (cf. At 2,16-21). Mas é, sobretudo, o cumprimento da palavra do Cristo (Lc 24,49; At 1,4; cf. Jo 14,16-17.26). O sopro do Espírito se faz perceber como um vendaval ao ouvido, como fogo aos olhos. Realiza a transformação do “pequeno rebanho” – os apóstolos reunidos no cenáculo em torno de Maria – em Igreja missionária. Todos ouvem o anúncio do Crucificado-Ressuscitado na língua que eles entendem. Assim acontece também hoje. A Igreja do Cristo se reconhece pelo espaço que ela dá ao Espírito e pela capacidade de proclamar sua mensagem.

2. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13)

A segunda leitura ensina a unidade do Espírito na diversidade dos dons. “Jesus é o Senhor”, assim soa a profissão de fé que une a Igreja (cf. Fl 2,9-11). E essa profissão só consegue manter-se na força do Espírito (1Cor 12,3; cf. Rm 10,9). O mesmo Espírito que produz a unidade da profissão de fé dá também a multiformidade dos serviços na Igreja. Todos os que pertencem a Cristo são membros diversos do mesmo Corpo (cf. Rm 12,3-8; Ef 4,4-6). Se a primeira leitura mostra mais o que o Espírito causa para fora (a missão proclamadora), a segunda evoca mais a obra “intraeclesial” do Espírito (para dentro): do mesmo Espírito provém a multiformidade dos dons, comparada às múltiplas funções que movimentam um mesmo corpo. Paulo chama isso de “carismas”, dons da graça (de Deus); pois sabemos muito bem que tal unidade na diversidade não é algo que vem de nossa ambição pessoal (a qual, normalmente, só produz divisão). É o Espírito do amor de Deus que tudo une.

3. Evangelho (Jo 20,19-23)

Esse evangelho, que retoma em parte o do segundo domingo pascal, descreve o dom do Espírito feito pelo Cristo ressuscitado. Celebramos a Sexta-Feira Santa, Páscoa e Pentecostes em três dias diferentes, mas a realidade é uma só: a “exaltação” de Cristo na cruz e na glória, fonte do Espírito que ele nos dá. Se Lucas descreve a manifestação do Espírito no anúncio no quinquagésimo dia da ressurreição (I leitura), João descreve o dom do Espírito no próprio dia da ressurreição de Jesus. Essa, de fato, é a visão joanina da “exaltação” ou “enaltecimento” de Jesus: sua morte, ressurreição e dom do Espírito constituem uma realidade única, pois sua morte é a obra em que Deus é glorificado, e seu lado aberto é a fonte do Espírito para os fiéis (Jo 7,37-39; 19,31-37). Jesus aparece aos seus, identifica-se pelas marcas de sua paixão e morte e comunica-lhes a sua paz, que ele prometera (cf. 14,27). Então, concede-lhes o dom do Espírito, que os capacita para tirar o pecado do mundo, ou seja, para continuar a missão salvadora do próprio Jesus (cf. 1,29.35). O mundo ressuscita com Cristo, pelo Espírito dado à Igreja.

III. DICAS PARA REFLEXÃO: Laço de amor da nova criação

O Espírito do Senhor exaltado é o laço do amor divino que nos une, que transforma o mundo em nova criação sem mancha nem pecado, na qual todos entendem a voz de Deus. É essa a mensagem da liturgia de hoje. O mundo é renovado conforme a obra de Cristo, que nós, no seu Espírito, levamos adiante. Nesse sentido, é a festa da Igreja que nasceu do lado aberto do Salvador e manifestou sua missão no dia de Pentecostes. Igreja que nasce não de organizações e instituições, mas da força graciosa (“carisma”) que Deus infunde no coração e nos lábios. A festa de hoje nos ajuda, assim, a entender o que é “renovação carismática”: não uma avalanche de fenômenos de um movimento religioso, mas o espírito da unidade, do perdão e da mútua solidariedade que ganha força decisiva na Igreja. O Espírito Santo é a “alma” da Igreja, o calor de nossa fé e de nossa comunhão eclesial.

Pentecostes, festa do “Divino” Espírito Santo, é oportunidade para entender melhor uma realidade central de nossa fé: o Espírito de Deus, que nos é dado em virtude de nossa fé em Jesus Cristo. O ponto de partida pode ser o Evangelho de João, que narra como, no próprio dia da Páscoa, Jesus glorioso comunica aos apóstolos, da parte do Pai, o Espírito Santo, para que exerçam o poder de perdoar os pecados. Pois Jesus é “o Cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), e os discípulos devem continuar essa missão.

São Lucas, na I leitura, dos Atos dos Apóstolos, distingue diversos momentos. No seu evangelho e no início do livro dos Atos, descreveu a Páscoa da ressurreição e a ascensão do Senhor Jesus como entrada na glória, com a manifestação do Espírito Santo ocorrendo poucos dias após, mais exatamente 50 dias depois da Páscoa, no Pentecostes (que significa “quinquagésimo dia”). Nesse dia, em que a religião de Israel comemora o dom da Lei no monte Sinai, descem sobre os apóstolos como que línguas de fogo, para que eles proclamem o evangelho a todos os povos, representados em Jerusalém pelos romeiros da festa, que ouvem a proclamação cada qual em sua própria língua.

Entre os primeiros cristãos, os de Corinto gostavam demais do “dom das línguas”, pelo qual eles podiam exclamar frases em línguas estranhas. Mas Paulo os adverte de que os dons não se devem tornar fonte de desunião. Os fiéis, com sua diversidade de dons, devem completar-se, como os membros de um mesmo corpo (II leitura). No milagre de Pentecostes, um falava e todos entendiam (em sua própria língua). No “dom das línguas”, ou glossolalia, corre-se o perigo de que todos falem e ninguém entenda. Por isso, Paulo prefere um falar que todos entendam (ler 1Cor 14).

Nós hoje somos chamados a renovar o milagre de Pentecostes: falar uma língua que todos entendam, a linguagem da justiça e do amor. É a linguagem de Cristo, e é uma “língua de fogo”! Aliás, o evangelho nos lembra que a primeira finalidade do dom do Espírito é tirar o pecado do mundo (Jo 20,22-23). A linguagem do Espírito é a linguagem da justiça e do amor. Por outro lado, devemos reconhecer a enorme diversidade de dons no único “corpo” da Igreja. Somos capazes de considerar as nossas diferenças (pastorais, ideológicas etc.) como mútuo enriquecimento? Pomo-las em comum? O diálogo na diversidade pode ser um dom do Espírito muito atual.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina. Atualmente é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”.