Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 43-46

BATISMO DO SENHOR – 9 de janeiro

Por Izabel Patuzzo

Caminho de vida nova no Espírito

I. INTRODUÇÃO GERAL

 A festa do Batismo do Senhor conclui o ciclo do Natal, recordando a segunda epifania de Jesus, agora no rio Jordão, onde foi batizado por João. A voz do Pai o revela como seu Filho amado, enviado ao mundo. O relato de Lucas conecta o Espírito Santo com a filiação divina de Jesus em todos os eventos importantes, a fim de expressar que ele é o Filho amado do Pai. Para ressaltar a condição divina de Jesus, o evangelista afirma que o Espírito Santo tem a forma física de pomba e desce do alto sobre ele. Essa leitura nos mostra a relação trinitária entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A primeira leitura, do livro do profeta Isaías, apresenta-nos a figura do servo escolhido de Deus e enviado ao mundo, cuja missão é instaurar a justiça e a paz na terra. O Espírito do Senhor repousa sobre ele, por isso o servo vai construir a paz pelo caminho da humildade e da não violência.

A segunda leitura reafirma que Jesus é o Filho de Deus enviado ao mundo para ser portador da paz e libertar os oprimidos. Ele veio para todos, judeus e não judeus. E, assim como ele realizou as boas obras do Pai, os discípulos são chamados a dar testemunho de sua fé em Jesus também por meio de palavras e ações.

No Evangelho, vemos o grande exemplo de humildade de Jesus, que se deixa batizar no rio Jordão. O Filho de Deus, a fim de inserir-se na realidade humana, também participa do ritual do batismo. Ele, que não tinha nenhum pecado, participa do batismo pela água, não para exaltar a si mesmo, mas para tomar a condição de servo humilde. Para resgatar os pecadores, deixa sua condição divina e se põe ao lado de todas as categorias de pessoas que precisam de sua libertação e salvação.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 42,1-4.6-7)

 Parte do povo escolhido permaneceu cativo no exílio da Babilônia durante 60 anos aproximadamente. Entre os anos 580 e 538 a.C., foi escrita a segunda parte do livro de Isaías, chamado Dêutero-Isaías ou Livro da consolação. A primeira leitura da liturgia foi composta nesse período. O texto reflete a realidade do final do exílio, e o profeta dirige sua mensagem ao povo para reavivar a esperança dos exilados, apresentando a figura do servo de Deus. Os exilados de Judá estão desorientados e sem perspectivas para o futuro. São tomados pelo sentimento de que Deus esqueceu seu povo.

A profecia de Isaías é dirigida aos exilados como uma mensagem de consolação nesse momento tão difícil. O servo é apresentado como alguém eleito e enviado por Deus para cuidar de seu povo; como sinal de que Ele continua a cuidar dos seus. Essa figura eleita por Deus e animada pelo Espírito tem uma missão tão grande, que vai além de cuidar do povo escolhido. Sua missão será universal, isto é, implicará cuidar de todos os povos da terra. Em primeiro lugar, consiste em restaurar a justiça nos tribunais, como base para edificar uma sociedade justa, que procura realizar o projeto de Deus na história.

A leitura afirma que a missão do servo é resposta a um chamado do Senhor para restaurar a paz por meio da justiça. Não é possível estabelecer a paz se não há justiça social. Nesse sentido, o servo convida todo o povo eleito a exercer a justiça, a fim de ser luz para todas as nações da terra. Sua ação é abrir os olhos aos cegos, libertar os cativos e os que habitam nas trevas. O Senhor envia seu servo para construir nova ordem social, a fim de superar todas as formas de trevas, alienação, sofrimento e desesperança que impedem o povo de caminhar em direção da liberdade e da paz. A profecia de Isaías se identifica com a missão do servo. Ele é o mensageiro de Deus para suscitar a esperança, promover a justiça e restaurar a paz.

2. II leitura (At 10,34-38)

O livro dos Atos dos Apóstolos é atribuído a Lucas, o mesmo autor do terceiro Evangelho. Em sua primeira obra, Lucas apresenta a missão de Jesus e, na segunda, a missão dos Doze e dos discípulos de Jesus. A missão dos discípulos é realizada na fidelidade à proposta de Jesus Cristo. Segundo o texto de Atos, a Igreja que nasceu da missão de Jesus tem Pedro como guia. O apóstolo procurou ser fiel ao Mestre e, desse modo, percorreu os caminhos da missão fora da Palestina. Lucas recorda sua presença em Cesareia, na casa de Cornélio. Como liderança da Igreja nascente, Pedro toma a palavra e faz uma catequese essencial para os cristãos presentes; afirma que a fé em Jesus Cristo é condição fundamental para receber o batismo.

Inspirado pelo Espírito Santo, Pedro, em sua pregação, esclarece à comunidade reu­nida que a salvação oferecida por Deus é concedida a todos os que abraçam a fé em Jesus Cristo. O Senhor Deus não exclui ninguém de seu projeto de salvação. Esta se estende a todas as pessoas que o temem e praticam a justiça. A leitura nos apresenta uma parte essencial do anúncio querigmático da Igreja primitiva, que, aberta à ação do Espírito Santo, acolhe judeus e gentios, reconhecendo que Deus não faz acepção de pessoas com base em raça ou cultura. A acolhida da Boa-nova de Jesus Cristo é a única condição para ser discípulo seguidor de Jesus.

3. Evangelho (Lc 3,15-16.21-22)

O Evangelho proposto para a liturgia deste domingo nos apresenta a pregação messiânica de João Batista e seu papel diante do Messias enviado. Em seu anúncio profético, João deixa claro que o Messias está para chegar; o enviado de Deus será muito mais forte que ele próprio. Esclarece também que o batismo de conversão por ele oferecido nas águas do rio Jordão é diferente do batismo que será conferido por Jesus, com o fogo do Espírito Santo. Portanto, a missão profética de João distingue-se da missão do Messias enviado em três aspectos essenciais: Jesus está para chegar porque, cronologicamente, sua missão se inicia depois da de João Batista; João não é digno de realizar a missão destinada ao Messias; as duas formas de batismo são diferentes entre si.

Segundo o relato de Lucas, João Batista é a última testemunha profética que anuncia a chegada iminente de novos tempos salvíficos e a renovação das promessas da Aliança. Esse novo tempo será inaugurado por Jesus. Ele é a presença do próprio Deus em pessoa no meio de seu povo para oferecer à humanidade escravizada a verdadeira libertação. O evangelista apresenta Jesus em oração durante seu batismo. Esta é uma das características do terceiro Evangelho: apresentar Jesus orando em todos os momentos decisivos de sua vida. E a presença do Espírito Santo, que desce sobre Jesus, indica, ao mesmo tempo, sua origem divina e profética. O Pai o declara seu Filho amado, e Jesus compartilha do mesmo sentimento em relação ao Pai. O céu aberto testemunha que, de fato, ele é o Messias. Lucas destaca que grande multidão estava presente, já preparando a missão pública de Jesus a partir de seu batismo. Assim, a celebração do Batismo do Senhor nos revela Jesus como aquele que assume plenamente a condição de Filho enviado; totalmente obediente ao Pai e guiado pelo Espírito.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A celebração do Batismo do Senhor marca o início da missão pública de Jesus. A narrativa de Lucas faz questão de destacar a presença da multidão nesse evento tão importante. Com o novo batismo inaugurado por Jesus, todo batizado recebe a graça do Espírito Santo. Pelo sacramento do batismo, tornamo-nos discípulos missionários. O papa Francisco nos recorda que todo batizado é enviado ao mundo; a vida é uma missão. Ele nos exorta a assumir o batismo não como uma missão individual, mas eclesial. A vida no Espírito Santo deve ser pautada na comunhão com a Trindade e com os irmãos e irmãs.

Batizar na Igreja não é um ato de proselitismo, mas expressão do desejo de nos tornarmos discípulos do Senhor, dispostos a partilhar gratuitamente o dom que recebemos no sacramento, sem excluir ninguém de nossa missão. A fé em Jesus Cristo que abraçamos no batismo nos dá a justa dimensão e compreensão de todas as coisas, fazendo-nos olhar o mundo numa perspectiva divina. Pelo batismo, participamos de uma Igreja sempre em saída em direção a todas as periferias humanas.

A nova vida conferida aos discípulos de Jesus, por meio do batismo no Espírito Santo, põe-nos em comunhão com o Senhor, vencedor do pecado e da morte. Assim, regenerados à imagem e semelhança do Criador, somos predispostos pelo sacramento do batismo a continuamente assumir uma missão de amor. Cada um de nós é uma missão no mundo, ensina o papa Francisco. A festa litúrgica de hoje deve nos indagar: como filho(a) amado(a) de Deus, identifico-me com o Filho amado, indo, a seu exemplo, ao encontro de meus irmãos e irmãs mais desfavorecidos?

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]