Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2021 - ano 62 - número 342 - pág.: 46-49

JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO – 21 de novembro

Por Izabel Patuzzo

O Reino da compaixão

I. Introdução geral

No último domingo do ano litúrgico, celebramos a solenidade de Cristo Rei. O texto do Evangelho apresenta-nos dois diálogos, situados no contexto do julgamento e condenação de Jesus. Pilatos, enquanto autoridade política, interroga Jesus acerca da acusação, tramada pelas autoridades judaicas, de que Ele havia se declarado rei de Israel.

No Evangelho segundo João, o relato da paixão de Jesus destaca a figura política de Pôncio Pilatos de forma particular. O processo de julgamento e condenação de Jesus na corte romana foi de ordem política. Enquanto procurador romano, Pilatos exerce o poder de dialogar com as autoridades locais, isto é, com os chefes dos sacerdotes e membros do sinédrio, e de emitir a sentença de morte. Como representante de César, era de sua competência emitir um juízo sobre a acusação e declarar a sentença condenatória de flagelar e crucificar Jesus, conforme a lei do império.

Em sua resposta a Pilatos, Jesus faz clara distinção entre a natureza de seu Reino e do reino político que Pilatos representa. Jesus se refere a um Reino que não pertence a este mundo, pois o Reinado de Deus é universal, fundamentado no amor, na justiça, na misericórdia. Enquanto os reinos deste mundo são pautados por lutas de poder, dominação, corrupção, jogos de interesses, o Reino de Deus tem como fim a salvação, o cuidado com a vida, a paz para os povos e a construção da fraternidade universal.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Dn 7,13-14)

O livro de Daniel foi escrito em um contexto de grande instabilidade política, econômica, cultural e religiosa para o povo eleito. Os dois últimos séculos do pós-exílio foram marcados por profundos conflitos, surgidos de disputas políticas e econômicas que puseram as comunidades judaicas em risco de perder sua identidade.

O texto apresentado na liturgia deste dia faz uma releitura profética da história do povo de Deus, com o objetivo de suscitar esperança nas comunidades dos fiéis que resistem às propostas de idolatria dos poderes greco-romanos.

O autor transmite sua mensagem em forma de visões, e interpretar corretamente as visões com base nos valores de sua tradição religiosa é sinal de sabedoria. Somente os sábios que se apoiam na justiça divina podem compreender o que está acontecendo e apontar caminhos de superação. A vinda do Filho do Homem evoca a chegada de tempos messiânicos, em que Deus mudará o curso da história.

Segundo a tradição da fé judaica, esse Filho do Homem será um enviado de Deus que vai instaurar novo reino sobre a terra. Será o Messias enviado a este mundo para pôr fim à perseguição dos justos fiéis e possibilitar a vitória dos santos sobre as forças de opressão e de morte. Essa é a esperança que anima as comunidades dos fiéis imediatamente antes da chegada de Jesus. Os discípulos interpretaram as Escrituras à luz da ressurreição de Jesus, compreendendo que nele se cumpriram as promessas messiânicas. Ele veio dar pleno cumprimento a tudo o que os profetas anunciaram.

2. II leitura (Ap 1,5-8)

O livro do Apocalipse foi escrito no final do século I d.C. e enviado às comunidades cristãs que se situavam na província romana na Ásia Menor e viviam em um contexto social e cultural de dominação. João deseja que os discípulos de Jesus resistam não somente às perseguições, mas também às propostas de Roma para cooperar com sua política de dominação. Na província da Ásia, diferentemente do que ocorria na Palestina, a cultura romana era hegemônica e amplamente compartilhada e aceita na sociedade. As forças imperialistas atuavam mais por meio de mecanismos de persuasão do que por meio de armas militares. Isso representava grande perigo para a fé cristã.

O universo simbólico do mundo mediterrâneo no final do século I da era cristã estava repleto de rituais e festividades que mantinham a idolatria e a injustiça. Nessa atmosfera, as vozes das comunidades cristãs eram de minorias dissidentes. Somente as pequenas comunidades judaicas e cristãs eram monoteístas e se opunham ao culto de outras divindades. Nesse sentido, a mensagem dirigida às sete Igrejas da Ásia serve de orientação e consolo para superar as profundas tensões e desânimo em que estavam mergulhadas. Dessa forma, o autor procura ajudar os cristãos a vencer o medo e o sentimento de fracasso em fazer florescer o anúncio de Jesus Cristo.

O texto da segunda leitura nos apresenta os primeiros versículos do livro do Apocalipse, para nos introduzir no primeiro diálogo do leitor com o autor. Esse diálogo é marcado por um ambiente litúrgico, como se todo o livro fosse uma grande liturgia em honra do Cordeiro imolado e ressuscitado, centro da fé cristã. Nesse diálogo, a comunidade é convidada a aceitar Cristo como centro da história humana. Ele é o princípio e o fim de todas as coisas. É nele que a comunidade deposita toda a confiança.

3. Evangelho (Jo 18,33b-37)

O Quarto Evangelho apresenta Jesus como o Messias-rei que tem todas as qualidades descritas nas Escrituras. Todo poder e autoridade lhe foram concedidos para levar à plenitude a missão de verdadeiro rei que cuida do povo. É um rei que se apresenta como o bom pastor que protege e dá a vida pelo rebanho; que interpreta e observa as Escrituras; que julga o mundo com justiça e misericórdia, assegurando a presença de Deus; que, simbolicamente, é o Templo onde habita o Senhor.

A presença e o efeito do poder régio de Jesus são claramente ilustrados no diálogo com Pilatos. Dois reinos opostos – um deste mundo e outro não pertencente a este mundo – encontram-se. A imagem descrita pelo evangelista na perspectiva terrena difere radicalmente da perspectiva transcendental. Aparentemente, a figura mais poderosa do relato é Pilatos, cujo poder não é mérito seu, mas também é de ordem transcendente, pois lhe foi concedido por Deus para que Jesus seja glorificado. O foco em João é a presença de Jesus encarnado como rei de todo o cosmo, e isso é revelado por sua morte na cruz e ressurreição. Ele é o rei de Israel e governa um Reino cuja dimensão é universal.

Como rei, Jesus oferece tudo o que um rei político devia oferecer – por exemplo, proteção, julgamento justo, vida digna, leis que orientam a prática da justiça e da retidão, e assim por diante. A compreensão de Jesus como rei sugere, portanto, um tipo de presença régia que deveria transformar também os reinados deste mundo.

O relato joanino apresenta as duas concepções de reinado: o Reinado de Deus, anunciado por Jesus, e o reinado do Império Romano, representado por Pilatos. O Reino da verdade estabelecido por Jesus tem raízes nas Escrituras, de longa tradição em Israel. Para a comunidade joanina, a verdade tem poder em si mesma, porque vem de Deus. Em João, Jesus incorpora em sua missão de Rei-messias todas as esperanças de Israel, não por meio do poder político, mas como o bom pastor que dá a vida pelas ovelhas, como a luz do mundo, como a ressurreição e a vida, como o caminho, a verdade e a vida.

III. Pistas para reflexão

As leituras desta liturgia não deixam dúvidas de que, para nós, cristãos, Jesus é o único rei no qual podemos depositar nossa confiança. Ao celebrarmos a solenidade de Cristo Rei do Universo, somos convidados, antes de mais nada, a acolher e interiorizar esta realidade: Jesus é nosso rei, princípio e fim da história humana, e se faz presente a cada passo de nossa caminhada; é ele que nos conduz à vida plena.

Vivemos tempos de profunda crise de liderança, não somente em âmbito nacional, mas também mundial. Como se apresentam os líderes políticos e econômicos em tempos atuais? Frequentemente são pessoas de visão limitada, dispostas a governar apenas para seus grupos de interesses, com pouca atenção ao bem comum. Essas constatações não devem nos deixar desanimados, pois nossa fé nos ajuda a olhar para além dessa realidade. A proposta de discipulado de Jesus ultrapassa tudo isso. Ele é nosso rei, e depositamos na sua proposta evangélica nossa esperança; é no caminho que ele nos aponta que pautamos nossas ações.

A realeza de Jesus não se assemelha à lógica dos poderes deste mundo. O papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, recorda-nos que, em Jesus, todos somos irmãos e irmãs e, juntos, somos chamados a construir um mundo mais justo e fraterno. Somos chamados a buscar a fraternidade universal, pois ninguém se salva sozinho. Como discípulos de Jesus, temos a missão de cuidar do mundo como a casa comum de todos.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]