Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2021 - ano 62 - número 338 - pág.:? (exclusivo do site)

Vigília Pascal – 3 de abril

Por Marcus Mareano

Ele ressuscitou dentre os mortos

I. INTRODUÇÃO

A Vigília Pascal, mãe de todas as celebrações, revive a história da salvação, que culmina com o mistério da ressurreição de Jesus. O silêncio da morte se rompe com o júbilo da resposta de Deus à oferta de Jesus até a cruz. A luz de Deus ilumina as trevas da humanidade.

A liturgia da Palavra desta celebração é a mais extensa do ano litúrgico, pois retoma a história da relação de Deus com a humanidade, mostrando que, a partir da ressurreição de Jesus, toda a criação possui nova destinação. A “nova criação” inaugurada nessa ação de Deus na humanidade (a ressurreição) nos alcança por meio dos ritos da liturgia: a luz, a água batismal, a renovação das promessas batismais e outros momentos. Celebramos esse mistério para vivê-lo no cotidiano de nossa vida. O que ocorreu em Jesus deve-se realizar também em nós.

Com Cristo, ressuscitamos para uma vida nova, conforme seu Espírito. É tempo para lançar fora coisas velhas e aderir à força da ressurreição de Deus em nós, como rezamos no precônio pascal: “Ó noite de alegria verdadeira, que une de novo o céu e a terra inteira”.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Leituras (Gn 1,1-2,2; Gn 22,1-18; Ex 14,15-15,1; Is 54,5-14; Is 55,1-11; Br 3,9-15.32-4,4; Ez 36,16-17a.18-28; Rm 6,3-11)

O elenco das leituras apresenta o percurso desde a criação do mundo em sete dias (Gn 1,1-2,2), no qual Deus descansou no último dia (Gn 2,2), até a nova criação com o acontecido em Cristo Jesus, ressuscitado no primeiro dia da semana (Mc 16,2). Cada episódio que lemos é uma maneira de ver como Deus salva a humanidade.

A liturgia cita alguns eventos importantes. O primeiro texto é o relato sacerdotal da criação de todas as coisas do nada (Gn 1,1-2,2). O autor demonstra a soberania de Deus sobre os astros, os animais e a vegetação, criando tudo por meio de sua palavra, que também é ação. O ser humano é o ápice da criação (Gn 1,26-27), imagem e semelhança do Criador, convidado a cuidar da criação (Gn 1,28). O ser humano é criado para a comunhão com Deus e com a criação e para repousar no descanso divino.

Na sequência, lemos dois episódios referentes ao período bíblico dos patriarcas. Primeiro, como Abraão se mantém obediente a Deus, mesmo sem entender tanto o plano divino, o que poderia custar a vida do próprio filho prometido (Gn 22,1-18). Deus surpreende Abraão, providenciando o cordeiro para o holocausto (Gn 22,13-14). Em segundo lugar, uma leitura obrigatória nesta noite, acompanhamos o momento da travessia do mar Vermelho pelos israelitas sob a liderança de Moisés (Ex 14,15-15,1). Deus conduz seu povo, livrando-o da opressão e levando-o para a Terra Prometida. Essa experiência marca a história de Israel e confirma a eleição de Deus por aquele povo. Deus elege primeiramente Abraão (Gn 22,1-18) e, depois, um povo para uma aliança (Ex 14,15-15,1).

Em seguida, a liturgia da Palavra oferece leituras dos profetas com um conteúdo de consolação e restauração do povo de Israel. Os israelitas foram infiéis à Aliança com Deus e, por esse motivo, foram exilados. Os trechos selecionados são: a compaixão do Senhor pelo seu povo infiel no exílio babilônico (Is 54,5-14); a proposta de uma nova aliança com um banquete messiânico (Is 55,1-11); uma meditação sobre a sabedoria divina e o convite à conversão a Deus (Br 3,9-15.32-4,4); a promessa de uma água viva, que purificaria Israel de todos os seus pecados (Ez 36,16-28). Deus não despreza seu povo no pecado ou no drama do exílio. Ele permanece fiel, para que Israel se volte para o Senhor e experimente as alegrias de uma nova aliança.

A leitura do Novo Testamento, proclamada após o “glória” solene desta noite, manifesta o efeito da ressurreição de Cristo naqueles que nele creem: “Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, no Cristo Jesus” (Rm 6,11). Pelo batismo, morremos para uma vida velha e renascemos nas águas para a vida em Deus. A ressurreição de Jesus é vida nova para quem nele crê.

A liturgia da Palavra guia-nos em torno do mistério da relação de Deus com a humanidade. Deus cria o ser humano para a comunhão com ele. Elege um povo (Israel), com quem faz aliança. Mesmo o povo sendo infiel, Deus propõe nova aliança. Jesus é a realização dessa nova e eterna aliança. Pela sua morte e ressurreição, a união entre Deus e a humanidade fica estabelecida de forma definitiva.

2. Evangelho (Mc 16,1-7)

O Evangelho de Marcos narra a visita das mulheres ao túmulo para embalsamar o corpo sepultado. O “primeiro dia da semana” e a ida ao sepulcro demonstram a continuidade narrativa com a morte de Jesus (v. 2).

O episódio ainda se encontra narrado nos outros dois sinópticos (Mt 28,1-8; Lc 24,1-12) e com semelhança narrativa em Jo 20,1-20. Apesar da diferença de detalhes narrativos, a mensagem consiste na busca de Jesus pelas mulheres, no sepulcro vazio, no anúncio do mensageiro e no retorno para avisar o evento aos discípulos.

Elas vão ao encontro daquele que lá fora deposto na tarde anterior. Para surpresa delas, “a pedra havia sido removida” (v. 4). Não se diz quem a removeu. Trata-se de um passivo divino para que o leitor espere a ação de Deus.

Ao procurá-lo, as mulheres encontram um jovem mensageiro que lhes anuncia uma boa-nova: “Não vos assusteis! Buscais Jesus, o nazareno, o crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” (v. 6). As mulheres veem a pedra rolada e a tumba vazia. Assustadas, correm para comunicar o que viram aos discípulos. O túmulo vazio, em si, não prova a ressurreição de Jesus, mas serve de cenário para a proclamação de fé no Ressuscitado.

Essa “conclusão” do Evangelho indica um retorno ao início. Voltar à Galileia (v. 7) significava retomar a fé desde as origens, de onde se iniciou a pregação e surgiram os seguidores de Jesus. Jerusalém, o local da morte e sepultura de Jesus, representava a incredulidade, a oposição e a condenação. A mensagem da ressurreição deveria chegar às periferias (Galileia), e não se deter no centro político-religioso daquele tempo (Jerusalém).

Os sábios e entendidos de Jerusalém não foram capazes de acolher o Evangelho. O novo “povo de Deus”, que segue o Ressuscitado, constitui-se de “galileus” e assume a tarefa de continuar a pregação iniciada por Jesus. O relato da ressurreição é um envio para a missão. Os primeiros discípulos iniciaram um anúncio que continuamos até a atualidade. O Reinado de Deus (1,15) começava a se realizar e continua em nós e por nós para que mais pessoas experimentem a ressurreição.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

No Novo Testamento, não se diz “como” Jesus foi ressuscitado por Deus, tal como se relata “como” foi sua morte, mas se proclama a fé no Ressuscitado, a qual subjaz desde o princípio da comunidade cristã.

Ao contrário do que comumente se pensa, os relatos a respeito do “sepulcro vazio” não são para comprovar a ressurreição de Jesus, mas são um convite à fé e ao anúncio da mensagem de Deus por meio do mensageiro (Jesus vive!). A fé em Jesus nasce do encontro com ele, não da visão do sepulcro vazio.

A exemplo daquelas mulheres, vivemos constantemente em busca de Jesus, que representa felicidade e realização de vida. Por vezes, tentamos encontrá-lo em alguns lugares errados, outros sepulcros, ambientes de morte e putrefação. Deus vem a nós por meio de seus mensageiros, diferentes anjos, que nos comunicam uma mensagem nova de Deus: “Ele não está aqui”. Quando desistimos das velhas coisas que nos causam dores, sofrimentos, e aceitamos mudar o caminho, encontramos com o Senhor, que é o caminho (Jo 14,6).

A propósito dessa mudança, nós a celebramos na liturgia batismal da Vigília, quando novas pessoas fazem a iniciação completa (batismo-crisma-Eucaristia) e outras pessoas recordam os próprios sacramentos recebidos, renovando as promessas batismais. Passamos pelas águas do batismo para vivermos a vida nova de filhos e filhas de Deus, participantes da ressurreição em Cristo Jesus. O fogo e a luz presentes desde o início da celebração indicam a purificação que Deus faz para nos tornarmos novas criaturas.

Cada pessoa que faz o encontro com o Ressuscitado se torna anunciadora dessa ação maravilhosa de Deus para a humanidade. O sinal desse encontro se verifica no anúncio com a própria vida, fundamentada no exemplo de Jesus, aquele que amou até o fim (Jo 13,1).

Marcus Mareano

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Professor de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]