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Publicado em número 240 - (pp. 19-23)

O povo de Deus

Por Pe. José Comblin

(O presente artigo reproduz a introdução do livro de José Comblin, O povo de Deus)*

 

O livro O povo de Deus foi escrito em vista do novo pontificado. Na origem há um grande ato de esperança no advento de um novo dia depois da “noite escura”. A esperança tem por objeto um retorno aos princípios do Vaticano II. Não se trata de um Vaticano III. Não poderia haver Vaticano III sem, primeiro, voltar ao Vaticano II.

No final da carta apostólica Novo millennio ineunte, o Papa João Paulo II escrevia: “Concluído o Jubileu, sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que se beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa” (n. 57).

Não se trata apenas de voltar aos textos do Vaticano II como se esses textos fossem um ponto de chegada[1], pois o Concílio estava muito consciente de estar dando um primeiro passo para um grande processo de mudança. Sabia que era o início de grande virada na história da Igreja. Por isso importa, em primeiro lugar, partir da intenção profunda que percorre todo o processo conciliar.

Os textos conciliares não são homogêneos. Muitas vezes são o resultado de compromissos entre o apelo à renovação e os temores dos conservadores apegados a fórmulas do passado. Às vezes os textos parecem contraditórios, ou, pelo menos, parecem expressar visões muito distantes da Igreja. Por isso, é sumamente importante voltar à inspiração básica que presidiu a todo o desenvolvimento dos trabalhos con­ciliares.

Essa inspiração está presente nos discursos do Papa João XXIII, e, sobretudo, no discurso inaugural no dia 11 de outubro de 1962, que, cada vez mais, aparece como o grande sinal que mostra o caminho não apenas ao Concílio, mas também às futuras gerações de cristãos. Vários comentaristas acham que a assembleia conciliar não percebeu todo o alcance do discurso, pois ele estava escrito numa forma muito simples, num linguajar quase popular, sem elucubrações teológicas e, por isso, pareceu a alguns um tanto superficial. Ora, era exatamente o contrário, porque João XXIII mostrava rumos muito claros e apontava para uma mudança radical na orientação tomada pela Igreja pelo menos desde o Concílio de Trento, e provavelmente já antes, desde o século XIV.

Em primeiro lugar, João XXIII diz que rejeita a visão pessimista sobre o mundo atual: “é necessário discordar desses profetas da desgraça”. Ora, durante séculos, sobretudo desde o século XIX, os Papas haviam multiplicado sem cessar as profecias de desgraça, condenando toda a evolução do mundo e da sociedade, detectando na modernidade apenas erros, pecados e loucuras. Haviam anunciado os piores cataclismos como castigo pela desobediência do mundo às injunções do Papa e da hierarquia em geral. João XXIII pretende partir de uma visão otimista, olhando prioritariamente às novas oportunidades oferecidas pela sociedade contemporânea e pela evolução do mundo.

Em segundo lugar o Papa proclama que “agora a esposa de Cristo prefere fazer uso do remédio da misericórdia mais do que da severidade”. Por isso o Concílio não devia pronunciar nenhuma condenação, nem se preocupar em definir ainda mais explicitamente o depósito da fé. O depósito estava seguro. O problema agora era o revestimento necessário para que a humanidade de hoje pudesse entender e receber a mensagem[2]. O desafio era anunciar o evangelho ao mundo moderno, e não condenar seus erros.

Essa devia ser a orientação do Concílio, e, em parte, os bispos procuraram seguir a orientação dada pelo Papa, embora houvesse uma minoria que não conseguia entender essa novidade na orientação da Igreja. Essa minoria impediu que o Concílio fosse mais coerente.

Já durante a realização do Concílio articulou-se uma reação negativa[3], preparando uma espécie de sabotagem para desfazer o Concílio logo depois da sua celebração. A euforia suscitada pelo Vaticano II durou apenas três ou quatro anos. Logo a reação se manifestou com muito barulho[4]. O que precipitou a reação anticonciliar foi a grande crise de civilização que sacudiu todo o Primeiro Mundo em 1968: o maio de Paris foi o símbolo dessa revolução cultural. Então começou o que se chama de pós-modernidade, ainda que as suas formulações teóricas tenham aparecido somente na década de 70.

A crise da civilização ocidental abalou também a Igreja, que já estava em plena fase de mutação. Os adversários aproveitaram a coincidência histórica para atribuir ao Concílio os fenômenos da crise — por exemplo, a crise sacerdotal —, que se deviam à mutação cultural. A crise mostrava até que ponto a Igreja estava distante da sociedade e pouco preparada para adaptar-se às novas fases da sua evolução. Mostrava não que o Vaticano II estava errado, mas que já havia chegado tarde e, se não tivesse acontecido, as crises ulteriores seriam ainda mais profundas.

O partido da reação fortaleceu-se e a Cúria romana alimentou um ambiente de pânico, como se a Igreja estivesse em via de desaparecimento. Usaram a palavra autodestruição. Pregaram a necessidade de um fechamento radical — para não ser dissolvida pela nova cultura, a Igreja devia de novo fechar as portas e as janelas e refugiar-se no seu passado, nas suas estruturas tradicionais, sem se deixar aproximar pela contaminação do mundo exterior.

Os últimos anos do pontificado de Paulo VI foram penosos para o Papa, já enfraquecido pela doença. Quando foi eleito João Paulo II, os sinais da involução não tardaram. O novo Papa manifestou logo que ia empreender uma política de restauração. Invocando os textos conciliares inseridos pela pressão da minoria, executou uma manobra de esvaziamento do Concílio em nome do Concílio.

O cardeal J. Ratzinger foi o instrumento mais adequado que se podia achar para dirigir a manobra de restauração. Fora teólogo do Concílio, mas foi um dos primeiros que se assustaram e se arrependeram. Na realidade a sua teologia não se adequava à teologia conciliar. Já desde 1969 voltou à teologia anterior. Ele mesmo cultivou visão extremamente pessimista do mundo moderno e acentuou mais ainda as tendências pessimistas do Papa.

Iniciou-se nova fase de condenações. Sucessivamente uma série de teólogos foram acusados de ceder às tentações do mundo moderno. O magistério achou de novo que a sua tarefa era condenar os erros ou os perigos de erros para proteger a Igreja contra os assaltos do mundo moderno.

Os suspeitos foram primeiro os teólogos da libertação — suspeitos de marxismo; depois foram os teólogos da moral sexual — suspeitos de laxismo; e, finalmente, os teólogos do diálogo inter-religioso — suspeitos de relativismo. O mundo voltaria a ser fonte inesgotável de erros e heresias. O mundo moderno sofreria de “uma cultura de morte”[5]. E o conjunto daquilo que recebeu o nome de pós-modernidade foi qualificado de relativismo. Dessa maneira o magistério está dispensado da tarefa de procurar entender a humanidade atual. Com a palavra “relativismo” tudo está dito.

Em lugar da misericórdia de João XXIII, voltou o castigo. Em lugar da apresentação do evangelho aos povos e às culturas, voltou a preocupação pela ortodoxia e a defesa do depósito da fé. Esse é o contexto em que se situa o debate sobre o conceito de povo de Deus.

O conceito de povo de Deus foi sistematicamente eliminado do discurso eclesiástico durante o presente pontificado. Por isso, voltar ao Vaticano II seria reabilitar o conceito de “povo de Deus” e colocá-lo de novo no centro da eclesiologia.

Muitos acham que o conceito de “povo de Deus” foi a contribuição teológica principal do Vaticano II e que esse conceito condicionou todos os documentos conciliares. Mais ainda, “povo de Deus” é o conceito que melhor expressa o “espírito” de Vaticano II[6]. Se quiséssemos, numa palavra, exprimir o que trouxe o Vaticano II para a Igreja, precisaríamos dizer: lembrou à Igreja que ela é povo de Deus[7].

Há também os que acham que a finalidade principal, praticamente única, do Sínodo extraordinário de 1985 — oficialmente convocado para interpretar o Vaticano II — foi suprimir o conceito de “povo de Deus”.

Por isso, muitos acham que a tarefa mais significativa de um novo pontificado seria restaurar a eclesiologia do Vaticano II, ressuscitando o conceito de “povo de Deus”.

Paradoxalmente, o maior adversário do conceito de “povo de Deus” foi quem acabava de publicar um livro sobre “o novo povo de Deus”[8].

Os defensores mostraram-se menos vigorosos do que os opositores. Evidentemente ninguém podia rejeitar abertamente um Concílio ecumênico, mas as críticas tendiam a relativizar o valor dos documentos, pôr em evidência as insuficiências ou as contradições. Depressa se espalhou o rumor de que o Vaticano II estava superado, que fora influenciado por circunstâncias históricas que já pertenciam ao passado, que os bispos se tinham deixado levar por emoções, sem olhar criticamente o mundo com o qual queriam caminhar. Bem depressa também a oposição concentrou os seus ataques contra a ideia de “povo de Deus”.

Na realidade, muitos estavam espantados pela perspectiva de mudar alguma coisa nas estruturas ou nas condutas tradicionais da Igreja e temiam que o conceito de “povo de Deus” fosse usado para pedir reformas. Aceitavam novas ideias, com a condição de que não se tirassem delas consequências práticas. Ou, então, esperavam resultados imediatos, permitindo um novo triunfalismo, e, quando viram que os triunfos não chegavam, voltaram para trás. Não tiveram a percepção de João XXIII, que sabia muito bem o que esperar do Concílio: mudança de mentalidade e o início de novo período na caminhada da Igreja. João XXIII sabia que a mudança teria de ser muito profunda e exigiria muito tempo. Certos bispos ou teólogos não se davam conta da profundidade da crise da Igreja, da imensa transformação necessária para que pudesse ser capaz de evangelizar um mundo do qual estava tão afastada. Por isso ficaram desanimados, porque os resultados esperados não chegavam — antes, o que havia chegado era uma crise muito grave.

Enquanto na Europa se espalhavam as críticas ao conceito de “povo de Deus”, o episcopado da América Latina deu-lhe uma expansão notável. Apesar de muitos apelos e da sugestão de João XXIII, o Concílio não pôde chegar a uma teologia da Igreja dos pobres, como dizia o Papa. Esse passo foi dado na América Latina, em Medellín e Puebla. Ali se chegou à percepção clara de que o “povo de Deus” é, na realidade, o povo dos pobres[9].

Essa redescoberta da Igreja dos pobres, doutrina tão clara na Bíblia, era volta a um passado já esquecido quase por todos. Por isso muitos bispos e teólogos não estavam preparados para integrá-lo na eclesiologia do Vaticano II[10]. Apesar dos apelos patéticos do cardeal Lercaro, os padres conciliares não estavam preparados para entender. Foi na América Latina, em Medellín e Puebla, que os bispos souberam interpretar o Vaticano II de maneira autêntica, levando-o à explicitação esclarecedora.

O retorno aos pobres e o redescobrimento da Igreja dos pobres foram o caminho que levou à reabilitação do conceito de “povo de Deus”. Os conceitos de povo e de pobres são solidários e correlativos. Não há pobres que não formem um povo. Não há povo que não seja dos pobres. O Concílio não conseguiu fazer essa identificação com força suficiente e, por isso, deixou o conceito de “povo de Deus” sem base.

Sem esperança não há povo. O que faz um povo é a esperança comum. Não há esperança que não seja coletiva, esperança de uma multidão reunida em povo. A burguesia não tem esperança — quer segurança, quer proteger o que tem e acumular mais ainda, quer com o seu dinheiro criar mais dinheiro. Conta com a sua capacidade intelectual e social. Não conta com Deus. A burguesia é individualista, não se preocupa com o que acontece com a multidão. Por isso o conceito de povo não lhe diz nada — nem o conceito de “povo de Deus”. O povo são os outros, os pobres, os que são marginais, que não servem para acumular capital — a não ser como mão de obra barata. Por isso, na burguesia, o conceito de “povo de Deus” não tem base. É incompreensível. Já que a maioria na Igreja é de cultura burguesa, “povo de Deus” lhe diz muito pouco. Não há povo nem esperança.

No Terceiro Mundo encontra-se a maior parte dos pobres. No meio deles há imensa esperança e por isso a palavra povo significa muito para eles. Ser povo quer dizer entrar na conquista da dignidade e da liberdade. Ser “povo de Deus” é deixar de ser átomo inconsistente perdido no universo.

No Terceiro Mundo os pobres estão empenhados na construção de povos. Aí estão os povos lutando para existir e o “povo de Deus” no meio deles. Esperam da Igreja o apoio e a presença do Cristo libertador na frente das suas lutas. Estão desconcertados por condenações de heresias que não entendem, e não entendem por que se dá tanta importância a essas coisas quando está em gestação uma nova humanidade que a Igreja — certa Igreja — parece não enxergar.

Na introdução a um livro que teve muita aceitação, o teólogo beneditino francês Ghislain Lafont explica o que o moveu a escrever sobre a história teológica da Igreja católica. Diz que foi estimulado pelo desejo de resolver um enigma: como explicar a relativa esterilidade da teologia católica entre, digamos, 1274 (ano da morte de São Boaventura e Santo Tomás de Aquino) e 1878 (ano da eleição de Leão XIII)[11]. Vale a pena ler esse livro. Podemos acrescentar-lhe uma consideração que não faz explicitamente, mas está subentendida[12]. Essa época de 600 anos de esterilidade — no sentido de que a teologia já não exerceu influência no mundo — coincide com os séculos em que a Igreja se esqueceu dos pobres. Esquecendo-se dos pobres, perdeu o seu rumo, sua identidade, não podia ser fecunda. Uma contraprova seria a fecundidade teológica gerada por Medellín e Puebla.

As críticas ao Vaticano II levaram finalmente o Sínodo de 1985 a simplesmente eliminar o conceito de “povo de Deus”, substituindo-o pelo conceito de comunhão — como se este tivesse a mesma ressonância e como se os dois fossem alternativos. A consequência foi imediata, ainda que não saibamos se foi intencional ou não. Os pobres desapareceram dos horizontes da Igreja — pelo menos a concepção da Igreja dos pobres de João XXIII, de Medellín e Puebla. O sinal do seu desaparecimento é a sua ausência no documento Ecclesia in America, no qual a Cúria romana pretendeu apresentar a conclusão do Sínodo da América. Nesse documento a opção pelos pobres simplesmente desaparece. É difícil pensar que seja puro esquecimento, porque nas suas proposições os bispos tinham reassumido com grande maioria o tema da opção pelo pobres. O documento Ecclesia in America confirma que as teologias do “povo de Deus” e do povo dos pobres são solidárias. Na realidade, trata-se de uma só. Quando cai uma, cai a outra.

Podemos perguntar-nos por que o conceito de “povo de Deus” foi eliminado com tanta facilidade depois de ter recebido no Concílio um destaque tão marcante. A resposta é simples. Na mente dos teólogos que elaboraram os textos conciliares, o “povo de Deus” respondia a um retorno ao passado da Igreja aquém das deformações históricas ulteriores. O “povo de Deus” tinha sido redescoberto na Bíblia e na história das origens cristãs. Não foi descoberto no povo dos pobres. Não foi um descobrimento do povo atualmente vivente nos pobres. Era retorno ao passado, e não visão da realidade. Era fase necessária, mas não suficiente.

Fora os especialistas, os católicos do Primeiro Mundo não foram tão marcados pelo capítulo conciliar sobre o “povo de Deus”. Por isso, não se sentiram atingidos pela supressão do conceito “povo de Deus”, porque era problema de especialistas que não concernia à vida diária de uma Igreja já profundamente influenciada pela burguesia e pela ideologia burguesa. No Terceiro Mundo foi e continua sendo diferente.

Vendo os acontecimentos desde a Europa, as consequências da eliminação do conceito de “povo de Deus” podem parecer leves. Para os pobres, a nova eclesiologia tinha sido uma esperança. A sua supressão tornou-se incompreensível. Vendo os mesmos acontecimentos desde o Terceiro Mundo, as consequências apareceram e foram gravíssimas. As Igrejas do Terceiro Mundo sentiram-se reprimidas, desconcertadas, sem futuro, sem rumo certo. Por isso a nossa maior esperança é que se volte à doutrina conciliar a que João XXIII havia orientado pensando longe, olhando para longe, olhando para o mundo inteiro, e não mais simplesmente para a Europa.

Este livro situa-se entre uma série de obras dedicadas ao Espírito Santo. Pretende-se estudar o Espírito Santo por meio das suas obras. Essas obras enunciam-se por meio de conceitos propriamente cristãos, ainda que tenham sido preparados mais ou menos profundamente por filosofias anteriores: os conceitos de “ação”[13], “palavra”[14], “liberdade”[15]. Agora vem o conceito de “povo”, que representa também uma criação típica do Espírito e uma realidade básica do cristianismo. O “povo” é criação cristã ou judaico-cristã. Tem sua origem na Bíblia.

Parece incrível que um dos argumentos invocados para eliminar o conceito de “povo de Deus” tenha sido o de que a categoria de povo era sociológica demais. É significativo que a sociologia praticamente nunca usa o conceito de povo e teme usá-lo[16]. Por que esse temor? Justamente porque se trata de um conceito bíblico, e os sociólogos não estão à vontade no meio dos conceitos bíblicos, que respondem a outras maneiras de perceber a realidade — maneira não científica, mas espiritual.

O conceito de “povo” é espiritual, não científico. É significativo que nem as filosofias nem as ciências humanas deram muita importância a esse conceito. O “povo” é uma realidade cristã fundamental. Ao eliminar da mensagem oficial a noção de “povo de Deus”, o Sínodo cortou o tecido da teologia da Igreja e criou um vazio terrível, cujas repercussões se fazem sentir em todas as áreas da vida cristã e, sobretudo, nas relações entre a Igreja e o mundo. O conceito de “povo” é tão fundamental no cristianismo como o conceito de “liberdade”, de “palavra” ou de “agir”.

Deixemos para os historiadores futuros a tarefa de explicar como e por que o Sínodo de 1985 se deixou levar de tal maneira pela obsessão do marxismo, que o descobriu até nos conceitos mais bíblicos, e renegou a obra do Vaticano II sob o pretexto de salvá-la.

É nossa convicção que um retorno ao Vaticano II inclui em primeiro lugar uma reabilitação do conceito de “povo de Deus” na eclesiologia, no lugar que lhe compete. Esse conceito não é suficiente para expressar todos os aspectos da Igreja, evidentemente. Porém, expressa — e somente ele pode expressar — algo que é fundamental para o futuro do cristianismo na nova humanidade que está nascendo no Terceiro Mundo. É exatamente esse aspecto o objeto deste estudo. A nossa questão é: o que no conceito de “povo de Deus” é imprescindível na evangelização no Terceiro Mundo?



* Fonte: José Comblin, O povo de Deus, Paulus, São Paulo, 2002, pp. 5-15.

[1] Neste livro o autor segue as recomendações do teólogo Joseph Ratzinger, El nuevo pueblo de Dios, Herder, Barcelona, 1972, pp. 318ss (original de 1969, Das Neue Volk Gottes): “Quase todos os documentos, mas particularmente os que tratam da formação dos sacerdotes, das missões, do ecumenismo, da revelação divina e da Igreja, são perpassados por uma tendência fundamental, que se pode caracterizar como abertura dentro da teologia, em que fica ultrapassada uma forma estreita de teologizar que poderia definir-se, rebaixando-a um pouco, como teologia de encíclicas, para chegar a uma maior largura do horizonte teológico. Teologia de encíclicas significa uma forma de teologia em que a tradição parecia lentamente reduzir-se às últimas manifestações do magistério papal. Em muitas manifestações teológicas antes do Concílio — e mesmo durante o Concílio —, podia-se perceber o esforço para reduzir a teologia a ser um registro e — talvez também — uma sistematização das manifestações do magistério. O problema parecia resolvido de antemão com a solução já dada, o sistema superava o acesso interrogante à própria realidade. Entretanto, o Concílio manifestou e impôs também a sua vontade de cultivar de novo a teologia desde a totalidade das fontes, de não olhar essas fontes unicamente no espelho da interpretação oficial dos últimos cem anos, mas de lê-Ias e entendê-las em si mesmas; manifestou a sua vontade não somente de escutar a tradição dentro da Igreja católica, mas de pensar e recolher criticamente o desenvolvimento teológico das outras Igrejas e confissões cristãs, deu finalmente o mandato de escutar os interrogantes do homem de hoje como tais, e, partindo deles, repensar a teologia e, por cima de tudo isso, escutar a realidade, ‘a própria coisa’ e aceitar as suas lições”. Excelente programa que fazemos nosso!

[2] Cf. G. Alberigo, A Igreja na história, Paulinas, São Paulo, 1999, pp. 292-296.

[3] Cf. G. Alberigo e J.-P. Jossua (ed.), La réception de Vatican II, Cerf, Paris, 1985, p. 20: o próprio Paulo VI não tinha percebido toda a intensidade da oposição na Cúria durante o Concílio.

[4] Sobre a crítica ao Vaticano II, cf. Paul Valadier, La Iglesia en proceso: catolicismo y sociedad moderna, Sal Terrae, Santander, 1990 (orig. 1987), pp. 151-187.

[5] Cf. Evangelium vitae 26.

[6] Cf. Carlos Maria Galli, El pueblo de Dios en los pueblos del mundo: Catolicidad, encarnación e intercambio en la eclesiología actual. Tese para o doutorado em Teología na Pontificia Universidade Católica Argentina, Buenos Aires, 1993. Ver Bárbara Pataro Bucker, Eclesiologias desde a Teologia da Libertação. Tese de doutorado sobre a Igreja como Povo de Deus, em REB, fasc. 227, t. 57, 1997, pp. 617­-641.

[7] Cf. Ricardo Blasquez, La Iglesia del Concílio Vaticano II, Sígueme, Salamanca, 2ª ed., 1991, p. 41.

[8] Cf. Joseph Ratzinger, Das neue Volk Gottes, Patmos, Düsseldorf, 1969. É verdade que o livro fala bem pouco do povo de Deus, apesar do título. Sobre as posições do cardeal Ratzinger, cf. Daniele Menozzi, “L’opposition au Concile (1966-1984)”, em G. Alberigo e J.-P. Jossua, La réception de Vaticano II, Cerf, Paris, 1985, pp. 429-457.

[9] Cf. Gustavo Gutiérrez, “Le rapport entre l’Église et les pauvres, vu d’Amérique latine”, em G. Alberigo e J.-P. Jossua (ed.), La réception de Vatican II, Cerf, Paris, 1985, pp. 229-243.

[10] Cf. José I. Gonzalez-Faus, Memoria de Jesús. Memoria del pueblo, Sal Terrae, Santander, 1984, pp. 99-­125. Para este autor, os pobres são os grandes esquecidos da Igreja no século XIX.

[11] CF. Ghislain Lafont, Histoire théologique de l’Église catholique, Cerf, Paris, 1994, p. 10.

[12] Cf. Ghislain Lafont, Histoire théologique de l’Église catholique, p. 161: “Importa notar o lugar central desta questão da pobreza como marco da reflexão teológica confrontada com a modernidade: pode ser que a verdade de uma teologia vem da maneira como ela resolve o paradoxo da pobreza (no sentido mais amplo da palavra) e de uma modernidade que, por definição, está aberta às riquezas da liberdade, da fortuna e da cultura”.

[13] Cf. J. Comblin, O tempo da ação, Vozes, Petrópolis, 1982.

[14] Cf. J. Comblin, A força da palavra, Vozes, Petrópolis, 1986.

[15] Cf. J. Comblin, Vocação para a liberdade, Paulus, São Paulo, 1999.

[16] Cf. Pedro Ribeiro de Oliveira, “Que signifie analytiquement ‘peuple’?”, em Concilium, nº 196, 1984, p. 132.

Pe. José Comblin