Artigos

Publicado em maio-junho de 2015 - ano 56 - número 303

A Bíblia reinterpretada pela teologia da prosperidade

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Buscando justificativa em textos isolados da Bíblia, a teologia da prosperidade não passa de produto do capitalismo e da psicologia do sucesso que domina a maioria das nações industrializadas e atinge também as nações pobres. É uma reflexão que, feita não à luz da Bíblia, mas da procura de privilégios, estimula a insensibilidade diante da injustiça presente no mundo.

Introdução

A teologia da prosperidade afirma que o plano de Deus para o ser humano é fazê-lo feliz, abençoado, saudável, próspero, enfim, uma pessoa de sucesso. Mas onde estaria a complexidade dessa afirmação? Sua complexidade reside justamente no fato de que, para essa teologia, só não é próspero financeiramente, só não é saudável e feliz nesta vida quem carece de fé, não cumpre o que a Bíblia diz a respeito das promessas divinas e estaria envolvido com o diabo – ou seja, quem está em pecado.

Todavia, uma teologia que estabelece a prosperidade e a vitória como sinal irrefutável da presença de Deus numa sociedade marcada acentuadamente pela pobreza, sofrimento e derrota possui alguma relevância como discurso teológico para as Igrejas?

Propostas teológicas como essa é que tornam esse modelo teológico tão atraente, pois, segundo Proença (2003), elevam o fiel a uma condição dominante, na qual Deus tem a obrigação de lhe conceder a prosperidade. Nesse tipo de teologia, ao confrontar Deus e diminuir sua soberania, o fiel é que se apresenta como aquele que define qual a vontade de Deus, e não o contrário! Deus é visto como uma mercadoria e é procurado de acordo com os desejos do fiel.

 1. A gênese da teologia da prosperidade

São muitos os nomes pelos quais podemos identificar a teologia da prosperidade. Entre eles, podemos destacar: “movimento da palavra da fé”, “evangelho da saúde e da riqueza” e “denomine-o e reclame-o”.

O início desse movimento pode ser traçado com base nos escritos do pregador de rádio e ministro metodista William Essek Kenyon (1867-1948). Ele escreveu aproximadamente 15 livros nos quais “enfatizava o poder das palavras proferidas com fé e a supremacia de uma assim chamada revelação sobre o conhecimento obtido pelos sentidos” (REID, 1990, p. 611). Para ele, a confissão da fé positiva punha Deus em cena e induzia sua ação.

As ideias de Kenyon influenciaram certo número de pregadores dentro do movimento pentecostal na década de 1960. O movimento cresceu rapidamente na década de 1970, em grande parte graças à promoção dos pregadores pela Trinity Broadcasting Network, fundada por Paul Crouch em 1973.

Kenneth Hagin é um dos mais conhecidos promotores dos ensinos da teologia da prosperidade. É no mínimo curiosa a história a respeito de como ele descobriu o seu “caminho” teológico: na manhã de 8 de agosto de 1934, ele enfrentava seu 16º ano como um inválido, confinado à cama por um problema incurável. Apesar das previsões de que podia morrer a qualquer hora, mesmo fraco, ele se agarrava à vida. Conforme havia lido no Novo Testamento, ele tinha a crescente fé em que Deus “o levantaria da cama”. Mas nada acontecia, e ele acordava cada manhã para um novo dia de tédio e desesperança. Um dia, contudo, foi diferente, porque ele se voltou para o verso que tinha acendido sua fé: “Por isso vos digo que tudo o que pedirdes em oração, crede que o recebereis, e tê-lo-eis”. Então ele percebeu: “o ter vem depois do crer. Eu tenho que acreditar que minha paralisia se foi, mesmo estando deitado de costas aqui, sem esperanças”. E assim ele fez. Só que, em vez de dizer que seria curado, ele declarou que já estava curado (HAGIN, 1972, p. 9-26). E uma voz lhe disse: “Você acredita que está curado. Mas se de fato estiver curado, então você deveria se levantar dessa cama”. Dois dias depois, ele chegou a passos largos à mesa onde sua família tomava o café da manhã, curado pela evidência, em sua própria vida, do poder da fé.

Em 1974, Kenneth Hagin fundou o Rhema, um Centro Bíblico de Treinamento, localizado em Tulsa, Oklahoma, com o objetivo de oferecer programas de treinamento que incluíam ensinos e práticas. No entanto, Hagin (1972) afirma que, apesar de a prosperidade ser uma adição posterior ao seu sistema doutrinário, ele não aprendeu sobre ela com nenhum professor humano. Entretanto, ela aparece no discurso de outros evangélicos pentecostais cuja importância precede a de Hagin, principalmente Oral Roberts.

Em 1955, Roberts publicou God’s formula for success and prosperity, seu primeiro livro sobre esse tópico. Na década de 1960, Hagin abraçou a mensagem da prosperidade: “Prosperidade, principalmente prosperidade financeira, também está disponível ao fiel que se apropria dela pela fé”. Riqueza, de acordo com eles, era parte da bênção que o patriarca Abraão recebeu e, consequentemente, a pobreza era parte da maldição que Jesus Cristo cancelou com sua morte na cruz.

As seguintes ênfases são comuns à maioria dos pregadores da teologia da prosperidade:

  1. A fé é uma força liberada pelas palavras, por meio das quais é possível criar a realidade. De acordo com Copeland (1983, p. 18-19), “a força da fé é liberada ou ativada pelas palavras. Palavras cheias de fé colocam em operação a lei do Espírito da vida”. O recurso à palavra como instrumento para a liberação de fé-força possui sua possível “legitimidade” na própria ação de Deus, que cria o mundo pelo poder da palavra.
  2. A força da fé é ativada quando uma pessoa declara ou confessa positivamente seus desejos e pedidos a Deus. Hagin (1966, p. 30) diz: “sua confissão justa se tornará uma realidade, e então você obterá o que quiser de Deus”. Dessa forma, os fiéis passam a ser persuadidos da infalibilidade das expressões religiosas para “mover o braço de Deus”.
  3. Deus quer que todo cristão tenha prosperidade financeira. Na verdade, este é um direito a ser reclamado pelos cristãos.
  4. Deus deseja que todo cristão tenha saúde perfeita e experimente cura completa. Deus se obriga a curar toda doença daqueles que têm fé. A promessa da cura é parte da expiação de Cristo.
  1. Ler a Bíblia segundo a teologia da prosperidade

Não se pode negar que o discurso da teologia da prosperidade é bem construído. Vejamos um trecho do discurso de Macedo (1993, p. 25, 85-86):

Ele [Jesus] desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz – volte para casa, para o jardim da abundância para o qual você foi criado, e viva a vida abundante que Deus amorosamente deseja para você […] Deus deseja ser nosso sócio […] As bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a ele; e o que é dele (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria e tudo de bom) passa a nos pertencer.

A posse, a aquisição de bens, a saúde em boas condições e a vida sem maiores problemas são apresentadas como provas de espiritualidade e de fidelidade a Deus. Portanto, valoriza-se a fé em Deus como meio de obter saúde, riqueza, felicidade, sucesso e poder terrenos. Os males, nesse caso, significam falta de fé, inaptidão em confessá-la, ou resultam de algum ato de desobediência a Deus, situações que tornam o fiel vulnerável à maldade do diabo. Ou, segundo Proença (2003), se ao fiel, por direito divino, são asseguradas saúde, prosperidade financeira e ascensão social, aqueles que, porventura, não se deleitam em tais prerrogativas “ou não compreenderam bem o ensinamento bíblico, não têm fé o suficiente, ou ainda permanecem sob a influência maléfica do demônio”. São, na verdade, os pobres que terão de lidar com a terrível angústia de terem falhado ou permitido que o diabo, de alguma maneira, roubasse a graça que lhes estava reservada. No entanto, é necessário salientar que a verdadeira espiritualidade tem a capacidade de nos mover da apatia consumidora em direção a uma consciência alternativa tanto a respeito do que somos quanto de como vivemos.

Saúde, riqueza e sucesso, na teologia da prosperidade, representariam sempre a vontade de Deus para o fiel. Essa teologia ensina que a pobreza é demoníaca e que Deus, por ser um pai amoroso e rico, quer ver seus filhos sadios, prósperos e ricos. Essa posição teológica é muito mais fácil e simples, pois censurar a vítima é uma maneira de assegurar a nós mesmos que o mundo é melhor do que parece e que ninguém sofre sem que haja uma boa razão. Isso faz que todos se sintam melhor, à exceção da vítima, que passa a sofrer em dobro, isto é, com a desgraça original acrescida à condição social de pobreza. Uma das maneiras teológicas encontradas para dar sentido ao sofrimento humano é supor que somos merecedores do que nos acontece; que, de algum modo, as desgraças sobrevêm como punição pelos nossos pecados.

O discurso da teologia da prosperidade nega a solidariedade divina. Tal teologia não é altruísta, mas sim egoísta; não favorece a solidariedade, mas estimula a competitividade; não faz da vida dom, mas sim posse. Ela sustenta que o “verdadeiro cristão” está predestinado a vencer, a ser mais do que um vencedor em todas as esferas da vida. Para a teologia da prosperidade, o sofrimento nega a presença de Deus. Mas por onde andaria Deus quando olhamos para um ambiente mergulhado na miséria? Estamos diante de uma teologia que procura privilégios pessoais e corporativos e estimula a insensibilidade ante a injustiça presente no cotidiano de grande parte do mundo.

Essa teologia está comprometida em satisfazer aos desejos de sua clientela, e não em propagar doutrinas ou tradições históricas. Na verdade, o que importa são os resultados. A religião é pregada como capaz de apresentar resultados 100% garantidos e, em seus espaços, um milagre sempre estará à espera daqueles que ali acorrem. A questão agora é como satisfazer aos desejos do aqui e agora desses clientes que não estão preocupados com o distante mundo futuro. Retornar aos valores bíblicos seria essencial. Afinal, nos textos bíblicos encontramos a ênfase posta mais no ser humano do que na prosperidade, ao contrário de tal teologia, que reduz tudo a termos econômicos.

Devemos rejeitar como não bíblico o ensino de que a fé, em sua essência, é uma qualidade ou trabalho realizado pelo ser humano a fim de fazer que Deus realize seus desejos. Em decorrência disso, a teologia da cura, por exemplo, foi dada na expiação. Com base na doutrina da cura na expiação, a teologia da prosperidade infere que a cura já está disponível para nós e, agora, depende somente de nós experimentarmos essa cura ou não. Hagin (1979, p. 20) escreve sobre isso:

Através da verdade humana natural, uma pessoa percebe que está doente, que tem uma dor ou uma doença. A Palavra de Deus, entretanto, revela que “ele tomou para si as nossas enfermidades, e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17) e que por seus ferimentos fomos curados (1Pd 2,24). A Palavra de Deus não é verdade em um tempo tanto quanto o é em outro? Ela não é verdade tanto quando você está doente e está sofrendo como quando está bem? Se acreditar no que lhe dizem seus sentidos físicos, você diria: “não estou curado, estou doente”. Mas, se acreditar na verdade da Palavra de Deus, você pode dizer: “Estou curado, por seus ferimentos, obtive a cura”.

Acredita-se que algumas passagens-chave da Bíblia mostram que o fiel foi libertado tanto de suas doenças físicas quanto da condenação por seus pecados (cf. Is 53,4-5; Mt 8,16-17; 1Pd 2,24). Novamente as palavras de Hagin reforçam essa concepção (1979, p. 25):

Apesar de se manifestar no físico, a cura é na verdade uma bênção espiritual, porque ela é uma cura espiritual. Deus não vai curar seu corpo. Ele não fará algo novo para curar você porque ele colocou sobre Jesus as nossas enfermidades, as nossas doenças. Ele já fez algo a respeito disso. Jesus já carregou nossas doenças sobre os seus ferimentos e “nós fomos curados”. Alinhe sua fé com a Palavra de Deus. Pare de esperar.

Nós somos filhos de Deus! Afinal, não sou dono do mundo, mas sou filho do dono. Deus tem vida abundante e toda a riqueza do universo está à nossa disposição. Então, como nós, seus filhos, não seríamos saudáveis e ricos? De acordo com o ensino da teologia da prosperidade, nossa vida de pobreza, doença e fracasso é consequência do domínio de Satã sobre nós. Segundo essa teologia, quando a humanidade caiu no pecado, Satã se tornou legalmente dono deste mundo, o que lhe dá poder sobre nós. Assim, a verdade elementar é que a redenção de Jesus nos libertou do domínio do diabo e nos devolveu ao governo do nosso legítimo proprietário.

Nesse sentido, a resolução de todos os problemas e conflitos que afetam o ser humano teria uma resposta eminentemente teológica. Hagin (1972, p. 53-54) coloca assim essa questão:

Jesus, entretanto, veio para nos redimir do poder e domínio de Satã sobre nós… Na vida, devemos reinar como soberanos. Isso significa que temos domínio sobre nossas vidas. Devemos dominar, não sermos dominados. As circunstâncias não deveriam dominar você. A pobreza não deve reinar sobre você; você é quem deve reinar e governar a pobreza. Enfermidades e doenças não devem governar sua vida; você é quem deve reinar e governar a doença. Na vida, devemos reinar como soberanos, em Cristo Jesus, que nos deu a redenção.

Nos círculos que celebram a saúde e a riqueza como critério da bênção de Deus, foi popularizada a expressão “Viver como filho do rei”, que se tornou num dos mais famosos motes da teologia da prosperidade, mas em que reside grande ironia: isto é, devemos observar que o “filho do rei” foi Jesus, e este viveu uma vida exatamente oposta ao que tal expressão deseja significar atualmente. Jesus viveu uma vida sem abundância material. Criado na humilde Nazaré no seio de uma família piedosa, mas pobre, que oferecia duas pombas porque não podia oferecer um carneiro (cf. Lc 2,24), Jesus andou pelo interior dependente de que outros lhe abrissem suas casas, porque não possuía bem algum. Assim, falar em viver como “filhos do rei” parece verdadeira ironia.

A teologia da prosperidade vê como modelo o Jesus que ascendeu aos céus, e não o humilde servo que ele foi aqui na terra. Porém Jesus alertou seus discípulos para não seguirem o modelo de “senhor”, mas seu próprio modelo de servo: “Mas, entre vocês não deverá ser assim: se alguém de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor, e quem quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos. Porque o Filho do homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate de muitos” (Mc 10,43-45).

O problema básico com a teologia da prosperidade é que ela é centrada no ser humano, mais do que em Deus. Alcorn (1989, p. 117) disse: ao se aproximar da postura da prosperidade, a oração se degenera, tornando-se coerção, em que “nomeamos o que queremos e pedimos” e continuamos puxando a rédea, até que Deus nos atenda. Esse tipo de persistência não é encorajado por Jesus. Ao contrário, é uma tentativa de fazer uma queda de braço com o Todo-Poderoso para aumentar o conforto e estilos de vida assegurados, a respeito dos quais não nos incomodamos em consultá-lo previamente.

Pode-se dizer que a “fé” se torna uma alavanca que arromba a porta da relutância de Deus, em vez de uma humilde e submissa tentativa de dar graças, ter discernimento e se curvar diante da vontade divina. No caso da teologia da prosperidade, predeterminamos que nossa vontade é a vontade de Deus. Como resultado, tratamos Deus como um objeto, um instrumento, um meio para um fim – fim que nós, em nossa pseudossoberania, arbitrariamente decretamos ser o melhor.

Na teologia da prosperidade, Deus é visto como uma loteria celestial na qual nunca se perde, uma máquina caça-níqueis cósmica na qual você coloca uma moeda, puxa a alavanca, estende o chapéu e recolhe seus ganhos enquanto seus “companheiros de cassino” (neste caso, seus irmãos cristãos) gritam (ou dizem amém e aleluia) e esperam, ansiosamente, sua vez na fila. Eles se esqueceram de que a parte crucial da fé é o valoroso investimento em algo durável, e não uma vida efêmera, mortal e individual; é, sim, algo duradouro, resistente ao impacto corrosivo do tempo, talvez mesmo algo imortal e eterno. Nesse tipo de sistema teológico, a única razão para Deus existir é nos dar o que queremos. Se não tivermos necessidades, talvez Deus desapareça. Com esse tipo de teologia doente, a oração deixa de ser sagrada. Em vez de ser um meio de dar-lhe glória, a oração se reduz a uma lista de pedidos apresentada a Deus.

Não é possível conceber o papel de Deus em relação a nós dessa perspectiva. É necessário que uma boa teologia refute esse tipo de construção teológica que “coloca Deus para trabalhar para você e maximiza seu potencial em nosso sistema capitalista divinamente organizado” (apud ALCORN, 1989, p. 118). Na experiência da união e comunhão com Deus descrita nas Escrituras, estamos totalmente unidos com Deus. Isso significa que somos uma só realidade com ele. Contudo, devemos perceber que esse Deus, ao mesmo tempo, mesmo na experiência da união, continua absolutamente indisponível. Nós não podemos possuí-lo!

Nosso pragmático uso capitalista de Deus demonstra clara falta de interesse no próprio Deus. Afinal, quem se importa como é o gênio mágico? Gênios servem apenas para um propósito: assegurar nossos desejos e nos fazer prósperos e felizes. Em vez de ser o grande sujeito de nossa fé, para muitos Deus se torna meramente um objeto. Essa atitude explica a farta quantidade de sermões, livros e artigos sobre nós e a mísera quantidade deles sobre Deus. O conteúdo deles cumpre o objetivo de pôr Deus a nosso serviço. Assim, Deus entra em cena e é dispensado de acordo com nossa conveniência. Mas poderíamos, como cristãos, dirigir-nos a ele como a um gênio, proferindo palavras como “Senhor, podes ir agora. Chamo-te de volta quando pensar em algo mais que eu queira”?

No discurso de certas lideranças, a teologia da prosperidade, de certa forma, corrobora o anseio de acomodação ao mundo presente sem o famoso complexo de culpa: para alguns fiéis, com a possibilidade de mobilidade social e, para outros, com a manutenção de um status já adquirido. Em vez de ouvir a pregação de que “é mais fácil um camelo atravessar um buraco de agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” (Mt 19,24), agora a novidade reside na possibilidade de desfrutar de bens e riquezas, sem constrangimento e com a aquiescência de Deus. Assim, para os afortunados, essa abordagem teológica traz alívio e, aos pobres, traz o direito de, como filhos de Deus, também possuir bens. Está dado o passo para que a possibilidade de acesso à sociedade de consumo se abra diante dos pobres!

Parte-se do pressuposto de que quem não compra vive em estado de alienação, ou seja, não possui identidade. Sua identidade foi roubada. E a única maneira de reavê-la seria por meio do consumo. Na linguagem religiosa utilizada pela teologia da prosperidade, o diabo é um dos causadores da alienação e, consequentemente, da pobreza. Assim, ir às compras seria uma forma de exorcizar o diabo e recuperar a identidade roubada. Comprar nos tornaria humanos e livres.

Buscando justificativa em textos isolados da Bíblia, a teologia da prosperidade na verdade não passa de produto do capitalismo e da psicologia do sucesso que domina a maioria das nações industrializadas, mas atinge também as nações pobres. Ela é o produto de nosso próprio tempo e lugar – o tempo capitalista – e é, sem dúvida, uma reflexão: não à luz da Bíblia, mas de nossa autopreocupação.

Conclusão

Inevitavelmente, esse tipo de teologia produzirá uma espécie de sociedade muito evidente em nossos dias. Uma sociedade do individualismo, na qual as pessoas vivem vidas paralelas, mas sem sentido, desconectadas umas das outras. Uma sociedade em que a independência é a única absoluta, em que o interesse próprio é o único credo, em que a conveniência e o lucro são os únicos valores. Nessa sociedade, as pessoas sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada; têm muito “do que” viver, mas pouco “pelo que” viver.

Enquanto Deus nos criou para nos solidarizarmos e amarmos as pessoas pobres e usar as coisas, a visão do individualismo proposto pela teologia da prosperidade ama as coisas e usa as pessoas pobres – manipulando-as.

Bibliografia

ALCORN, R. C. Money, possessions and eternity. Wheaton, Ill.: Tyndale House, 1989.

COPELAND, K. The force of faith. Fort Worth: KCP, 1983.

HAGIN, K. E. I believe in visions. Old Tappan: Revell, 1972.

­­­______. Real faith. Tulsa: Kenneth Hagin Ministries, 1979.

______. Right and wrong thinking. Tulsa: Kenneth Hagin Ministries, 1966.

MACEDO, E. Vida com abundância. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1993.

PROENÇA, W. L. Magia, prosperidade e messianismo: o “sagrado selvagem” nas representações e práticas de leitura do pentecostalismo brasileiro. Curitiba: Quatro Ventos, 2003.

REID, D. G. (Coord.). Dictionary of Christianity in America. Downers Grove: InterVarsity, 1990.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no Programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da PUC-PR. Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó e Deus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]