Roteiros homiléticos

14 de agosto – 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

OPÇÃO POR OU CONTRA CRISTO

I. Introdução geral

Muitos bons cristãos e pessoas empenhadas na pastoral andam com certo desespero porque a Igreja – também aqui no Brasil – perde, pelos menos em porcentagem, seus adeptos, e os que ainda participam das celebrações têm as cabeças muito embranquecidas...

Contudo, o mais importante não é ter muitas pessoas na igreja, e sim que essas pessoas façam a opção por Jesus de Nazaré e pelos traços de Deus que se manifestam nele. E não se pode excluir que, entre os que não “vão à igreja”, como se diz, também haja pessoas que, na prática, optam por Cristo.

O evangelho fala da divisão que Jesus veio trazer ao mundo: a favor dele ou contra ele. Não uma divisão que se identifique com a divisão entre pessoas religiosas e pessoas não religiosas, ou entre uma religião e outra. Mas uma divisão que penetra nas famílias e, quem sabe, no próprio coração da gente.

 II. Comentário aos textos bíblicos

  1. Primeira leitura: Jr 38,4-6.8-10

A contradição de que Jesus é sinal, segundo o evangelho, prefigura-se na vida daquele, entre os profetas, que mais faz pensar em Jesus: Jeremias. A missão de Jeremias era muito ingrata. Estamos em 587 a.C. Dez anos antes, em 597 a.C., o rei da Babilônia, Nabucodonosor, já havia mostrado seu poder em Jerusalém e substituído o rei Joaquim (Jeconias) por Sedecias, com a intenção de que este lhe fosse submisso. Porém, por alguma ilusão de grandeza nacional ou por causa de seus amigos políticos, Sedecias preferiu optar pelos egípcios. Agora, Jeremias enxergava, com lucidez profética, que a política do rei Sedecias, querendo aliar-se aos egípcios, já em fase de declínio, era uma opção errada. O rei e a elite de Jerusalém se achavam inexpugnáveis. Nas palavras do profeta Ezequiel, eles consideravam Jerusalém uma panela e eles a carne dentro. Ilusão: Nabucodonosor iria fritar a panela com a carne dentro, até a panela derreter (Ez 11,3; 24,3-5.10-11)!

Jeremias, na sua honestidade de porta-voz de Deus, com aquela voz que lhe queimava dentro (Jr 20,9), não podia deixar de denunciar a farsa do orgulho da elite de Judá, sob pena de ser tratado como um traidor da glória nacional. Por isso, foi perseguido e jogado numa cisterna vazia com o fundo cheio de lodo (Jr 38,4-6), até que um funcionário negro, o eunuco etíope Ebed-Melec, conseguiu a transferência dele para o quartel da guarda (34,7-13).

Esse episódio foi escolhido para a primeira leitura de hoje porque prefigura em muitos pontos a sorte de Jesus, “sinal de contradição” (cf. Lc 2,34-35).

  1. Evangelho: Lc 12,49-53

O evangelista Lucas elabora longamente a subida de Jesus, da Galileia a Jerusalém, para a Páscoa final (Lc 9,51-19,27). No percurso dessa “viagem”, Lucas insere diálogos e declarações de Jesus, muitas das quais se encontram também no Evangelho de Mateus, embora talvez em outro contexto. Trata-se de palavras de Jesus tomadas da “Quelle”, a coleção de ditos com que Mateus e Lucas enriqueceram, cada um a seu jeito, o primitivo Evangelho de Marcos. Com esses ditos, Lucas transforma o relato da viagem num ensinamento rico e, muitas vezes, radical. O de hoje, que se encontra também em Mt 10,34-36, é certamente radical. Lucas o insere logo depois de uma exortação à prontidão permanente em vista da volta do Senhor para pedir contas de nossa fidelidade e prática (Lc 10,35-48). Assim, essa perspectiva final marca as nossas opções do dia a dia. E essas opções podem opor-nos, na prática, às pessoas com as quais convivemos, nas nossas sinagogas ou igrejas e até nas nossas casas e famílias: “pai contra filho e filho contra pai, mãe contra filha e filha contra mãe, sogra contra nora e nora contra sogra” – como já dizia o profeta Miqueias (Mq 7,3). Aliás, o fato de Jesus citar um profeta acrescenta uma dimensão especial: o cumprimento das Escrituras. Aquilo de que falavam os profetas alcança sua plenitude agora.

A palavra de Jesus supõe que o tomem pelo Messias (em 9,18-20 Simão já havia declarado essa opinião). Mas não é um Messias como eles imaginam, alguém que produza pacificamente e quase que por milagre a paz. Que a “paz” fosse o grande presente do Messias era a expectativa corriqueira, e isso no sentido mais amplo que se possa imaginar, pois na língua de Jesus paz significa a plenitude, a satisfação de tudo o que o ser humano possa desejar honestamente diante de Deus. O problema é que a paz messiânica é fruto da justiça (Is 32,17), supõe o agir justo dos “filhos da paz”. E é isso, exatamente, que vai dividir as pessoas, de modo que o Messias, de fato, traz uma divisão. E o critério dessa divisão é Jesus mesmo. O que combina com seu caminho, com seu modo de agir, garante o beneplácito de Deus; o contrário, não. É bom lembrar o que já anunciou João Batista: o “mais forte” que viria depois dele batizaria com o Espírito Santo e com fogo (Lc 3,16). Pois bem, o fogo chegou (Lc 12,49).

  1. Segunda leitura: Hb 12,1-4

Apesar de escolhida sem relação intencional com o evangelho e a primeira leitura, mas em função da lectio continua da carta aos Hebreus, a segunda leitura reforça a mensagem principal da liturgia de hoje: a fidelidade a Deus e a firmeza no testemunho. Esse é, de fato, o conteúdo dos maravilhosos capítulos 11 e 12 da carta. O texto de hoje evoca a imagem do cristão como estando no estádio de esportes rodeado de testemunhas – em grego: mártires! – e com os olhos fixos em Jesus Cristo. Jesus é chamado “aquele que conduz” (archegós) e “completa” (teleiotés) a nossa fé, linguagem militar, correspondente ao estilo retórico daquele tempo, mas suficientemente clara para entregar o recado: do início até o fim, podemos seguir confiantemente Jesus em nossa performance no estádio da vida, completar nosso percurso, combater o bom combate, enfrentando as maiores dificuldades, como ele mesmo enfrentou a cruz (Hb 12,2). Diante disso, nada de desânimo! Mensagem oportuna para o momento que vivemos.

III. Pistas para reflexão

Ser cristão não é um projeto pacífico: Jeremias era considerado traidor da pátria só porque sua honestidade em nome de Deus denunciava o nacionalismo estúpido (e corrupto, pois vendido aos egípcios) de Sedecias e sua turma.

Em nome de uma cristandade caduca, ouve-se até hoje: “Esse homem não é cristão; é um herege, um revolucionário, um comunista!”. Será que um cristão não pode pensar diferente daqueles que estão no poder? Ser revolucionário? Será que cristão é sinônimo de “comportadinho”?

No evangelho, Jesus diz que não veio trazer a paz, e sim a divisão; veio lançar fogo sobre a terra! A primeira leitura nos mostra o profeta Jeremias como sinal de contradição, prefiguração do Cristo. Tudo isso é muito diferente do cristianismo bem-comportado que nos foi ensinado.

Jesus exige opção. Não é possível ficar em cima do muro. Um exemplo: a filha de um industrial quer dedicar-se aos pobres, mas não de modo assistencialista, distribuindo esmolas, pois isso seria como encher um balde furado; o que ela colocaria dentro desse balde seria tirado pelo sistema econômico sustentado por seu pai (pela inflação, pelo arrocho salarial etc.). Portanto, ela decide lutar contra esse sistema. Entra em choque com o próprio pai, por mais que goste dele.

Um operário tem quatro filhos para sustentar. São inteligentes. Poderia encaminhá-los para o colégio militar. Mas ele é militante do sindicato. Seus filhos só serão aceitos se ele desistir do engajamento sindical. Conflito. Tem de escolher entre estudo de graça para os filhos ou fidelidade ao sindicato e à causa dos operários.

Zé é artista. Vive num mundo onde a imaginação e os costumes andam soltos. Mas ele quer ser homem realmente dedicado à família e também à arte, como expressão da realidade da vida e de seus melhores valores. Vai conhecer o conflito.

E o papa Francisco? Está sendo aceito pacificamente?

Optar pelo Evangelho, a boa-nova do “projeto de Deus” que vem beneficiar os pobres, não é coisa pacífica. Seria simples se Deus destinasse uns para ser pobres e trabalhar e outros para ser ricos, usufruir e dar esmolas. Mas Deus não faz assim. Quem faz os pobres e os ricos somos nós mesmos. Mas, então, temos também a responsabilidade de desfazer essas desigualdades gritantes que criamos em nosso mundo. Fazer que não haja pobres nem ricos, mas somente irmãos dispostos à solidariedade.

Essa é a responsabilidade que Deus nos confia. É uma opção diferente daquela que a sociedade nos propõe. É a opção de Deus. E custa muita luta.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e licenciado em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina. Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Entre outras obras, publicou Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje. E-mail: [email protected]