Roteiros homiléticos

22 de janeiro – 3º Domingo do Tempo Comum

Por Pe. Ivonil Parraz

Discipulado: esforço contínuo para configurar-se a Jesus de Nazaré

I. Introdução geral

Seguimento ou discipulado é o fio condutor que perpassa as três leituras de hoje. Na primeira leitura, o profeta Isaías anuncia o surgimento da luz que irá trazer alegria a todos os povos que jaziam na sombra da morte. Na segunda, Paulo exorta a comunidade de Corinto para que ela viva a unidade, e não a discórdia. Somente Jesus Cristo é o centro de unidade da comunidade. Sem a centralidade em Cristo, a comunidade cai no erro de formar “igrejinhas” em seu interior e seguir o pensamento de alguns de seus líderes. No evangelho, Jesus convida todos à conversão. Conversão exige fé! Fé, por sua vez, consiste em seguimento. Tal como Simão, André, Tiago e João, somos chamados a deixar tudo para seguir Jesus.

II. Comentário dos textos bíblicos

  1. Evangelho: Mt 4,12-23

O evangelho de hoje nos convida a três atitudes fundamentais:

a) ouvir atentamente a mensagem de Jesus. Ele tem sempre um convite para cada um de nós. Seu convite incide sobre a nossa vida; b) mudar de vida. A proposta radical de Jesus consiste em abandonar o que em nós há de velho e abraçar o novo. O novo refere-se ao sentido profundo da vida. Encontramos este quando Jesus for a opção fundamental da nossa vida ou o eixo de nossa existência; c) seguir Jesus. O seguimento de Jesus implica fé em sua mensagem e atitude de conversão. Ser cristão é seguir Jesus. Portanto, pertencer a Cristo redunda em configurarmos a nossa vida à sua maneira de viver.

a) A mensagem de Jesus

Herodes faz calar João Batista. Jesus faz a sua voz ser ouvida por todos os povos! Deixa Nazaré e vai morar em Cafarnaum, às margens do lago da Galileia. Não é gratuita sua escolha. Considerava-se a região da Galileia como lugar dos pagãos: “Galileia dos pagãos” (v. 15). Cafarnaum abria-se para o mar. A ela recorriam povos de várias regiões pagãs. Assim, a opção de Jesus de morar nessa cidade indica que sua Boa Notícia será proclamada a todos os povos: judeus e pagãos. Mas não só: por estar localizado na Galileia o mar de Genesaré (ou Galileia), a região apresentava-se muito fértil, e isso sugere vida nova. A todos os povos anuncia-se vida nova. “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma grande luz” (v. 16). E o que Jesus anuncia? “Convertei-vos, pois o Reino de Deus está próximo” (v. 17).

A mensagem de Jesus apresenta-se bastante simples: Deus se interessa pelas pessoas! O Pai não fica alheio aos sofrimentos do povo, independentemente de estarem vinculados a uma religião ou serem pagãos. Deus está “sempre em saída”! Quer o melhor para todos. Pede a participação do ser humano para levar a vida em sua plenitude: que “todos tenham vida plena”. Só assim o Reinado de Deus pode acontecer em nosso meio. Ele está próximo, por isso Jesus nos convida a mudar de vida!

b) Mudança de vida

O que devemos mudar em nós para que o Reino de Deus aconteça? Trata-se de praticar a Boa Notícia de Jesus, ou seja, de introduzir em nosso meio uma maneira de ser revolucionária para inverter a lógica do mundo: “que os últimos sejam os primeiros”, “libertar os cativos”. Para isso, o princípio que deve nos mover nessa atuação é o mesmo que moveu Jesus: a compaixão!

Somente quando nos colocarmos no lugar do outro, quando decidirmos sentir a dor do outro, ocorre em nós a conversão. Não há verdadeira mudança se não estivermos dispostos a nos colocar em saída, tal como o nosso Pai!

“Sede compassivos como vosso Pai.” No caminho, que é Jesus: “Eu sou o caminho...”, os discursos sobre justiça, igualdade, paz, por mais belos que sejam, não têm vez. Justiça, igualdade e paz se constroem. Somos justos diante de Deus se e somente se nos colocamos ao lado do outro para defendê-lo. “Ama o próximo como a ti mesmo”: amamos o outro quando o elevamos à nossa dignidade. Não pode haver igualdade se o outro não for elevado ao mesmo patamar de dignidade que o nosso. Em suma: numa sociedade em que só tem direito quem tem poder (econômico), igualdade é ilusão! A paz somente acontece onde há justiça e igualdade. Enquanto houver um irmão destituído de dignidade, estaremos em dívida com toda a humanidade. Quem está em dívida com o outro não pode estar em paz! Movidos pela compaixão, construímos justiça, igualdade e paz! Sem a compaixão, podemos ter bom discurso sobre justiça, igualdade e paz, mas não nos voltamos para o Deus bom!

Para que os últimos de nossa sociedade sejam os primeiros, faz-se necessário uma conversão radical em nossa cultura, economia, democracia (tão nocauteada) e também em nossas Igrejas. Se não levarmos a sério a dignidade dos últimos, não mudaremos o mundo para melhor, isto é, não o preparamos para a chegada do Reinado de Deus. Enquanto as nossas Igrejas não fizerem a opção preferencial pelos mais fragilizados – os pequeninos para os quais se voltam os olhos de Jesus –, elas  ainda não terão encarnado a lógica da Encarnação – o que é meu é teu (Jesus nos deu sua vida: a vida divina) ou a lógica do bom samaritano. “Libertar os cativos.” São cativos todos aqueles que foram privados de ter acesso a educação, saúde, moradia, trabalho, lazer... Também são cativos todas as vítimas de preconceitos; todos os que se deixam dominar pelo apelo capitalista de consumo; todos os que se submetem à corrupção; enfim, todos os desumanizados. Tanto os que foram desumanizados por uma cultura do que só tem direito quem tem poder quanto os que se submetem a ela. Somente quando estes forem libertados, encontrarão o sentido da vida, e a cultura passa a ser a cultura da vida.

A conversão acontece em nossa vida à medida que tomamos consciência de que Deus deseja o melhor para nós. O melhor para nós significa desenvolver plenamente tudo o que nos é próprio: a nossa humanidade. Só assim poderemos ser felizes.

c) Seguir Jesus

Andando na praia, Jesus viu Simão, André, Tiago e João, que estavam lançando suas redes, e os convidou para segui-lo (v. 19). Deles, Jesus fará “pescadores de homens”. Ora, a fé consiste em seguir Jesus. A fé, por sua vez, exige confiança. Somente quando tivermos inteira confiança em alguém poderemos “deixar tudo para segui-lo”. A fé, portanto, leva-nos a fazer uma opção radical: deixar tudo, ou seja, mudar de vida!

Fé e conversão caminham juntas. Por isso, pertencer a Cristo (ser cristão) consiste em esforçar-se continuamente para ir se configurando a Jesus Cristo. Construir a vida segundo o modelo de Jesus Cristo.

À medida que vamos adquirindo o modo de vida de Jesus, fazendo dele o eixo de nossa existência, transformamo-nos em “pescadores de homens”: conduzir o ser humano à presença de Deus para que somente ele reine.

  1. I leitura: Is 8,23b-9,3

Nos tempos passados, Israel (Judá) foi infiel ao seu único Senhor. Tanto na política quanto na religião, Israel confiou no poder dos homens, e não em seu Deus. Por isso, na visão do profeta, caiu sob o domínio de povos estrangeiros. Essa infidelidade resulta na quebra de aliança entre Deus e seu povo eleito.

Mas o Deus de Israel nunca desiste de seu povo! Ele restabelece a aliança rompida. A aliança definitiva será a vinda do Messias. Ele será a luz de todos os povos, não somente de Israel.

Sua presença devolverá a vida a todos aqueles que se encontram na “sombra da morte”. Nele, todos encontrarão o sentido da vida!

  1. II leitura: 1Cor 1,10-13.17

Paulo exorta a comunidade de Corinto a ser concorde e, com isso, evitar divisões entre seus membros. Essa exortação decorre do fato de haver nessa comunidade “igrejinhas” particulares, a ponto de alguns dizerem ser “de Apolo”, “de Paulo”, “de Simão”, “de Cristo” (v.12). Ora, essa identidade, que eles julgam ter com este ou aquele grupo, exprime uma consciência de Igreja destoante da visão paulina: Cristo é a cabeça e nós, seus membros. Mas não só: expressa também que, para eles, ser cristão depende do pensamento de Paulo, Apolo, Simão...

A exortação de Paulo tem um sentido preciso. A lógica que forma as “igrejinhas” deve ser extirpada da comunidade. Esta deixa de ser “comum-unidade” quando Cristo não é seu centro. Ora, a existência de grupos em seu interior expressa claramente que Cristo deixou de ser o seu centro. Somente a pessoa de Cristo define a comunidade. Ele é o seu único centro de unidade. “Cristo foi crucificado por amor de nós” (v. 13). É ele o evento fundador da Igreja e o seu centro de unidade.

III. Pistas para reflexão

A quem seguimos nesta vida? Essa questão deve estar sempre presente em nosso coração, uma vez que a fé consiste em seguir Jesus. Se de fato queremos ser seguidores de Jesus Cristo, devemos prestar ouvidos a sua mensagem, abraçar a sua causa, aderir somente a ele. Nossa comunidade está centralizada em Cristo? Sua adesão a Cristo é total, ou os seus membros não vivem na concórdia?

 

Pe. Ivonil Parraz