Roteiros homiléticos

4º DOMINGO DO ADVENTO – 24 de dezembro

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

      I- Introdução geral

O projeto de vida plena, anunciado no Antigo Testamento, com a Encarnação do Verbo se torna uma realidade concreta, embora ainda não terminada. Deus nunca abandonou seu povo nem as promessas que lhe fez. Ao contrário, ao longo da história, preparou a humanidade para a vinda do Salvador e, com ele, a instauração de seu projeto de amor. Isso significa que a história universal não é caótica, não está fora de controle, pois Deus governa os acontecimentos, os quais servem ao seu propósito de revelar-se ao mundo. Deus se utilizou de todos os eventos da história para, através deles, vir ao encontro do ser humano. Esteve sempre conosco fazendo alianças, oferecendo-nos um modo alternativo de viver: em vez de egoísmo e violência, o amor e a paz. Deus sempre nos apontará um caminho para a vida e liberdade verdadeiras.

      II- Comentários aos textos bíblicos
  1. Evangelho (Lc 1,26-38): Ele será chamado Filho do Altíssimo 

O evangelho de hoje nos diz que Maria dialogou com Deus por meio de Gabriel e mostra que Deus não se impõe, não subjuga, mas dialoga, busca um interlocutor humano e necessita da palavra de Maria, uma mulher, para que seu Filho nasça. Nesse momento decisivo, a mulher tem de agir como sujeito, quer dizer, com autonomia. Da palavra da mulher depende a Palavra de Deus, e nessa linha, no final do Advento, descobrimos Maria como uma mulher autônoma, amorosa, livre e determinada, capaz de colocar sua vida a serviço de Deus.

Deus pede a Maria um compromisso que ela deve assumir de forma pessoal, sem a consulta ou a permissão de um homem, seja pai, irmão ou marido. É a mulher (antes foi Eva, agora é Maria) quem decide. Isso é muito significativo, porque a história de Israel foi narrada sob a perspectiva de que Deus agia, geralmente, por meio do sexo masculino, com o qual fazia alianças. Agora, Deus rompe essa supremacia do homem, expressando o seu mistério por intermédio da fé e da acolhida de Maria à sua proposta.

Maria compreende o que Deus está propondo e por isso pergunta. Não resiste, não procura apoio em ninguém, simplesmente expressa sua dificuldade diante daquela proposta de Deus. Ela se sabe autônoma diante de Deus e, a partir de sua própria solidão e autonomia, lhe responde.

O anjo dialogou a sós com Maria, considerando-a como portadora da esperança messiânica. Isso rompe com o messianismo de tipo masculino, que se expressa numa visão segundo a qual o masculino aparece como privilegiado por causa de seu poder de engendramento e por sua capacidade de imposição e violência. Esse messianismo masculino está vinculado à figura de um rei triunfante, com insígnias de poder e guerra. Mas o anjo não se dirige ao homem, e sim à mulher Maria, que não aparece em confronto com ninguém. O messianismo proposto aqui é bem diferente do messianismo de cunho masculino, pois, em vez da violência humana, é por pura graça de Deus e pela ação de uma mulher que emerge o Messias no mundo.

Foi porque Deus não lhe impôs nenhum tipo de tarefa, foi porque Deus pediu permissão, porque dialogou com ela, porque a chamou livremente, que ela pôde responder: “Eis a serva, faça em mim, com meu consentimento, aquilo que me foi dito”. Somente desta forma, com a colaboração ativa, se pode compreender e cumprir as esperanças de Israel.

A concretização do projeto de Deus somente é possível quando as pessoas dizem “sim”  a Deus. Foi assim desde os tempos antigos de Israel, foi assim com Maria e com os discípulos de Jesus, e é assim conosco hoje.

  1. I leitura (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16): Eu serei para ele um pai e ele será meu filho 

A primeira leitura nos mostra que o reinado de Davi havia se consolidado e nas suas fronteiras prevalecia a paz. O rei tinha o seu palácio, tudo parecia ter se estabilizado, mas a arca da aliança continuava em um santuário provisório. O relato afirma que Davi considerou esses fatos e confiou ao profeta Natã suas intenções de construir um templo para abrigar a arca. Natã aprovou, em caráter provisório, as intenções do rei, até que houvesse a confirmação definitiva da vontade divina.

Então aconteceu um giro inesperado: Deus se manifestou por meio do profeta Natã afirmando que não seria Davi quem lhe edificaria uma casa (um templo); ao contrário, seria Deus quem ergueria uma casa (dinastia) para Davi. Isto é, com essa profecia, o Senhor prometia a Davi a continuidade do reino por meio de seus descendentes. Trata-se de uma aliança entre Deus e a descendência davídica, firmada mediante a fórmula: “Eu serei para ele um pai e ele será meu filho”. É possível vislumbrar, nas entrelinhas desse relato, um descendente de Davi no qual se realizarão todas as nuances e pormenores contidos no oráculo proferido por Natã. Um filho de Davi através do qual Deus oferecerá ao seu povo a estabilidade, o bem-estar e a paz. Esse oráculo e essa aliança, portanto, realizam-se por meio de Jesus.

  1. II leitura (Rm 16,25-27): A fidelidade de Deus se confirma no evangelho

Esse texto é o resultado de uma reflexão teológica longa e profunda levada a termo no seio da comunidade cristã. Esses três versículos nos mostram uma grande verdade: o fio condutor da história humana é, sem dúvida, o projeto salvífico de Deus, escondido desde toda a eternidade, agora revelado em Cristo e proclamado pela Igreja a todos os povos.

O plano de Deus é um grande “mistério” desde a criação do mundo; no passado de Israel, os profetas vislumbraram alguns sinais do que Deus estava por fazer. E foi em Jesus que esse projeto se manifestou de forma clara e definitiva.

Resta a nós a missão de anunciá-lo durante o tempo que falta até a volta de Jesus; nisto consiste o seguimento e a fidelidade da Igreja em resposta à eterna fidelidade de Deus.

      III. Pistas para reflexão

No mundo existe violência, injustiça, opressão, exploração... Mas as Sagradas Escrituras testemunham que Deus conduz a história humana e a direciona para um porto seguro, de acordo com o seu projeto de amor.

As promessas que Deus fez no passado foram suficientes para que Israel mantivesse firme sua fé durante milênios; hoje, essas promessas se concretizam em Jesus. Portanto, temos maiores e melhores razões para não temer o futuro do mundo. Os desafios que os acontecimentos atuais lançam à nossa fé e perseverança devem firmar nosso desejo para o acolhimento desse rei em nosso coração e em nossa vida, pois ele é Emanuel, Deus-conosco. Digamos “sim”, a exemplo de Maria.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj, é graduada em Filosofia e em Teologia. Cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco, UNICAP. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]