Roteiros homiléticos

Natividade de São João Batista – 24 de Junho

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

I. Introdução geral

O Servo do livro de Isaías, João Batista e Paulo foram luz para todas as pessoas. Eles estão inseridos na tradição profética. Foram escolhidos desde o ventre materno, são um dom de Deus. Por meio de sua vocação, Deus revelou ao mundo seu plano de amor a todas as pessoas; por meio deles, Deus mostrou que não faz acepção de pessoas e que a salvação é universal. Isto exige de nós uma mudança de mentalidade e exige do profeta compromisso com a verdade e com a fidelidade. O profeta sempre vê além de seu tempo porque olha a realidade com os olhos de Deus, porque sua palavra é fruto de uma experiência profunda de intimidade com Deus. Por causa de sua comunhão com Deus é que a palavra do profeta é também palavra divina e seu agir na história é uma preparação para o agir

II. Comentário dos textos bíblicos 
  1. Evangelho (Lc 1,57-66.80):“Irás à frente do Senhora preparar os seus caminhos”

 Ao contrário do que muitos pensavam, João não era o Cristo. Sua missão foi preparar os corações para receber o Reino de Deus, que em breve iria chegar por meio de Jesus. A missão de João envolveu sofrimento, incompreensões e martírio, como havia acontecido, ao longo da história da revelação, com patriarcas e profetas.

O nome do menino é João, que, no idioma hebraico, significa “Deus agraciou”. Ou seja, o profeta é uma graça, um dom de Deus, não apenas para os pais dele, que estavam velhos. João é um dom de Deus porque é um profeta. Sua vinda a este mundo é uma intervenção de Deus no curso da história. Por isso, o nascimento do profeta causa “alegria” e “temor” nas pessoas. Alegria porque a vinda de um profeta ao mundo significa que Deus ainda se importa com a humanidade; significa que, diante da infidelidade das pessoas, Deus manifesta fidelidade de sua parte e deseja reatar os laços de amizade com a humanidade. Temor porque o profeta nos inquieta, a sua palavra é espada cortante e penetrante que manifesta as intenções dos corações. A vida do profeta é luz a exigir que nos deixemos iluminar e abandonemos nossas trevas interiores.

O texto do evangelho de hoje termina com a menção de João no deserto. Isso é muito significativo, porque é no deserto que o povo hebreu, no Antigo Testamento, firma uma aliança com Deus, prometendo-lhe fidelidade e adoração exclusiva. João no deserto vai nos lembrar que não vivemos na fidelidade, que Deus não é o centro de nossa vida, e quando isto acontece, algo ou alguém vai tomar o lugar que deveria ser reservado somente a Deus. É mais que infidelidade: é idolatria. E quando criamos um ídolo ao qual entregamos nosso coração, então vamos, aos poucos, excluindo Deus e aqueles que são os prediletos dele: os pobres, os injustiçados, os sofredores em geral.

A vinda de um profeta a este mundo significa que Deus quer tomar seu lugar de volta em nossa vida, e isto é libertação. Mas é necessário conversão, mudança de atitudes, sair da zona de conforto, abandono da

  1. I leitura (Is 49,1-6): Meu Servo: uma luz para as nações

Uma misteriosa figura profética, nomeada como o Servo, é-nos apresentada. A centralidade de sua vida inteira está em Deus. Sua missão é fazer que a salvação que vem de Deus chegue até os confins da terra. Antes mesmo de nascer, o Servo recebeu o chamado divino para uma missão que tem um caráter universal, pois não é direcionada apenas para o povo de Israel. Uma missão que envolve testemunho, anúncio da palavra e sofrimento. A palavra proferida pelo Servo não tem origem nele mesmo, mas vem de Deus, por isso é comparada com uma espada afiada e uma flecha penetrante, pois atinge o âmago do ser humano e o transforma de dentro para fora. O sofrimento do Servo é decorrente do seu empenho pessoal no cumprimento de sua missão. Nesse sentido é que o Servo está inserido na tradição do martírio dos profetas. Contudo, a última palavra não é de seus algozes, mas de Deus, que acolhe a vida do Servo como oferta pelos pecados do povo.

A figura enigmática do Servo pode representar qualquer um dos profetas ou até mesmo o povo de Israel. O Novo Testamento o identificou principalmente com Jesus. A liturgia de hoje o identifica com João. Contudo, se levarmos a sério o nosso seguimento de Jesus, esse texto do Servo estará falando também sobre nós.

Por isso somos consolados, porque Deus não quer nosso sofrimento, mas o aproveita para a nossa conversão e a de muitos outros irmãos. Se soubermos fazer dos momentos difíceis um testemunho de nossa fé, nosso sofrimento terá sentido, principalmente na atualidade, quando é tão divulgado um cristianismo blindado, sem problemas e com felicidade plena, comprada nas igrejas com dinheiro ou com práticas piedosas interesseiras, como se Deus pudesse ser manipulado por nossas artimanhas.

No sofrimento, o Servo abandona-se em Deus e confia-se a ele porque se sabe amado e protegido. Deus não decepciona quem nele confia a própria vida. Sejamos servos, sejamos luz para o nosso mundo tão obscuro.

  1. II leitura (At 13,22-26): João convocou Israel ao arrependimento

A redenção pode ser chamada de salvação ou de Reino de Deus, de fraternidade e de paz. Ao longo da história, Deus sempre chamou e enviou pessoas com a missão de preparar a humanidade para a redenção definitiva. Entre elas, o texto da segunda leitura destaca a obediência e docilidade de Davi para com Deus. Devemos considerar que naquela época Davi era uma figura idealizada, não apenas um antepassado, mas uma prefiguração de Cristo.

Da figura de Davi, o texto passa a falar sobre João Batista, porque o primeiro passo para acolher o Reino que Jesus veio instaurar é uma mudança de vida e de mentalidade. A missão do precursor do Cristo foi, especificamente, anunciar isso às pessoas, convidando-as para uma transformação interior.

Com a vinda de João Batista, encerra-se a primeira etapa da história da salvação, marcada pelo protagonismo do povo de Israel. E é exatamente nesse contexto da narrativa dos Atos dos Apóstolos que Paulo, de agora em diante, irá se dirigir aos demais povos, anunciando o evangelho para além do povo de Israel e assumindo definitivamente a universalidade da salvação.

Mas ainda continua a história de Deus com a humanidade. Hoje, nós é que somos chamados e enviados para testemunhar o Cristo para a conversão do mundo.

III. Pistas para reflexão 

 O profeta é um dom de Deus. Sem ele, o ser humano esfriaria em sua relação com Deus. A missão do profeta, em todos os tempos, é convocar seus contemporâneos para uma mudança de vida e de mentalidade. É preparar o povo para a manifestação de Deus e mostrar os sinais dos tempos. Um profeta em nosso meio é a certeza da fidelidade de Deus para conosco e uma exigência de fidelidade de nossa parte também. Por isso o profeta não apenas anuncia, mas denuncia a hipocrisia de muitos cuja fidelidade é apenas aparente.

Nos tempos atuais, está em nosso meio um grande profeta, o papa Francisco. Mas, visto que o presente não é diferente do passado, também ele é rejeitado pelos de sua própria casa. As pessoas que mais se sentem incomodadas com a ação profética do papa Francisco são alguns católicos. Isto significa que há hipocrisia na Igreja de Cristo, há falsos católicos, assim como no tempo de Jesus havia falsos cristos. O papa Francisco tem profunda intimidade com Cristo, é um dom de Deus para a Igreja em nosso tempo. Ele faz aquele papel que o Servo e o apóstolo Paulo fizeram ao se dirigir aos pagãos. O papa Francisco inclui a todos os excluídos porque assim quis e quer o Cristo: a universalidade da salvação. Cristo deu a vida por todos, veio para os pecadores, nunca excluiu ninguém.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

*Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora
do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected]