Roteiros homiléticos

16 de novembro – 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Celso Loraschi

Vigilância: o jeito sábio de viver

I. Introdução geral

            O tempo é dom de Deus. É a oportunidade que ele nos oferece para a realização de boas obras. Somos administradores do seu plano. Para isso, Deus dá a cada pessoa diferentes talentos. Ele pedirá contas do que fizermos ou deixarmos de fazer (evangelho). Portanto, é importante saber viver o tempo presente de modo digno, aguardando a vinda do Senhor. A vigilância é atitude sábia: permite que estejamos sempre à disposição da graça, prontos para o encontro definitivo com Deus, não importa quando e como ele venha. Com a vigilância vem a sobriedade, a maneira simples e transparente de viver, como fazem os “filhos da luz” (II leitura). As necessidades cotidianas, tanto materiais como afetivas, precisam ser supridas. A dedicação amorosa, retratada na mulher exemplar (I leitura), produz na família e na comunidade um clima de alegria e de confiança mútua. É preciso discernimento: o ser humano não pode ser avaliado pelo que produz, mas deve ser acolhido e amado pela sua dignidade. Todos, no entanto, devem contribuir para a construção do mundo justo e fraterno, sinal do Reino de Deus.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mt 25,14-30): Para que servem os talentos?

O evangelho deste domingo faz parte do quinto e último discurso de Jesus (Mt 24-25), conforme o esquema literário de Mateus. Está voltado para as realidades futuras, apontando a segunda vinda de Jesus como o evento norteador de todo comportamento no tempo presente.

A parábola apresenta um homem que, ao viajar para o estrangeiro, chama seus três servos, confiando-lhes os seus bens. A cada um entrega os talentos conforme a sua capacidade. Mesmo o que recebe um talento tem em mãos algo de muito valor, considerando que o talento equivalia a aproximadamente 34 quilos de ouro. O centro da questão está na maneira como cada um aplica o que recebe do seu senhor. A forte reprimenda dada ao que enterrou o talento indica a chamada de atenção que os autores desejam fazer aos interlocutores. O que estaria acontecendo na comunidade cristã de Mateus, ao redor do ano 85, época da redação do seu evangelho?

Podemos suspeitar que, entre os judeu-cristãos, havia alguns que se acomodaram numa situação de fechamento e de indiferença para com o próximo. Considerando o conjunto do livro, percebemos a intenção fundamental que é a prática da justiça, não conforme a interpretação oficial da Lei, e sim conforme a vontade divina. Esta se realiza pela vivência do amor aos pobres e pequeninos. Parece que alguns judeu-cristãos ainda manifestavam extrema dificuldade de abrir-se à nova proposta inaugurada por Jesus. Permaneciam fechados num sistema religioso legalista e excludente. Não conseguiam conceber que o próximo também eram os estrangeiros, os doentes, os marginalizados e todas as pessoas em situação de necessidade.

Portanto, o personagem que enterrou o talento por medo do seu senhor representa as pessoas que permanecem na “segurança” do sistema em que se encontravam antes de sua adesão à fé cristã. Representa todas as que estão acomodadas em seu “ninho”, preocupadas apenas com o seu bem-estar e indiferentes ao sofrimento alheio. A comunidade toda é chamada a fazer render os talentos, isto é, agir de modo criativo, promovendo relações de justiça e fraternidade. Esse é o jeito certo de se preparar para a volta do Senhor.

Percebemos que a parábola não pode ser interpretada na ótica capitalista. Ela não foi contada para legitimar a produção econômica em vista do acúmulo de bens nas mãos dos espertos, e sim para corrigir as atitudes egoístas e encorajar a prática do amor e da justiça, superando os sistemas de poder que excluem a maioria da população. A proposta de Jesus é de inclusão de todos no seu Reino, e, para isso, ele conta com o empenho dos seus seguidores. Temos muitas e diferentes qualidades. Não podemos enterrá-las por egoísmo, medo ou comodismo.

2. II leitura (1Ts 5,1-6): Viver como filhos da luz

            Um dos temas centrais da primeira carta aos Tessalonicenses diz respeito à segunda vinda do Senhor Jesus. Conforme se constata em vários outros textos do Segundo Testamento, a volta de Jesus ou o “dia do Senhor” é uma convicção de fé (cf. 1Cor 1,8; 5,5; Fl 1,6.10; 2,16...). As dúvidas referiam-se a quando e como se daria esse acontecimento. Paulo preocupa-se em orientar a comunidade cristã de Tessalônica, pondo ênfase no verdadeiro modo de se comportar neste tempo de espera. No que se refere à época da volta de Jesus, ela não deve motivar especulação por parte dos cristãos. Estes devem apenas ter consciência de que ele virá de surpresa. O próprio Jesus havia prevenido seus discípulos: “Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas... Felizes os servos que o Senhor, à sua chegada, encontrar vigilantes... Vós também estai preparados, porque o Filho do homem virá numa hora em que não pensais” (Lc 12,35-40).

            A expressão “dia do Senhor” aparece também em vários textos do Primeiro Testamento. Refere-se à intervenção especial de Deus na história humana, normalmente com o objetivo de estabelecer um julgamento. Para Paulo, ter consciência da volta inesperada do Senhor é de extrema importância, pois determina a maneira correta de viver a fim de, assim, não temer o julgamento divino. Todo momento é decisivo. Portanto, é necessário agir como o vigilante que não sabe a hora em que o ladrão vai chegar. Não podemos dormir!

            Tessalônica era uma cidade portuária, capital da província da Macedônia, com grande fluxo de gente provinda de várias partes do mundo. O ambiente social favorecia a multiplicação de propostas prazerosas que davam a sensação de “paz e segurança”. Viver acordados ou vigilantes significa ter o cuidado para não “dopar-se” com o modo de ser dos que querem “aproveitar o tempo” para a satisfação dos seus desejos egoístas; é vencer a insensibilidade e a indiferença para com as necessidades do próximo; é viver na sobriedade, na simplicidade e na transparência; enfim, é acolher Jesus Cristo, Luz que brilha nas trevas e Verdade que nos liberta de todo tipo de escravidão...

3. I leitura (Pr 31,10-13.19-20.30-31): O exemplo da mulher

O texto do qual foram tirados os versículos da primeira leitura (Pr 31,10-31) retrata uma visão patriarcalista, descrevendo a mulher na perspectiva masculina. No entanto, seguindo a indicação de algumas estudiosas da Bíblia, é preciso atentar para o fato de que esse texto conclui o livro de Provérbios. A conclusão está ligada ao início do livro, dedicado à reflexão sobre a sabedoria. A mulher e a sabedoria estão relacionadas. Nesse sentido, os versículos selecionados para a liturgia deste domingo visam contribuir para a reflexão sobre o bom uso do tempo.

A mulher é apresentada como alguém que tem extrema habilidade de gerenciar a sua casa; exerce ofícios diversos com destreza; é aplicada e sabe como adquirir os bens necessários para a família. Além disso, é sensível às necessidades alheias e sabe partilhar: “Estende a mão ao pobre e ajuda o indigente”. A conclusão revela a característica de uma pessoa sábia: “Enganosa é a graça e fugaz é a formosura! A mulher que teme ao Senhor, essa merece o louvor...”.

O texto exalta, portanto, uma vida pautada no temor ao Senhor. É um dom do Espírito Santo. É a fonte de onde brota a sabedoria, com todas as suas boas ações. Quem teme a Deus faz de sua vida um dom que lhe agrada. Todas as coisas são transitórias, também a graça e a beleza. As obras da sabedoria, porém, duram para sempre, porque são expressões do amor. Como escreverá Paulo: “O amor jamais passará” (1Cor 13,8).

III. Pistas para reflexão

- O tempo é dom de Deus para boas obras. Deus concedeu os talentos, de modo original, a cada um de nós. Ninguém está isento de contribuir para a construção de um mundo de fraternidade e justiça. Cada pessoa, conforme a sua capacidade, é chamada a fazer parte do grande mutirão a favor do Reino de Deus. O comodismo e a indiferença contradizem a fé cristã. É bom que cada um de nós se pergunte: que talentos recebi de Deus e de que modo os desenvolvo e aplico? Conforme a parábola de Mateus, o servo que enterrou seu talento o fez por medo do seu senhor. O contrário do medo não é a coragem, e sim a fé. Quais medos, hoje, impedem o testemunho de vida coerente com a fé e o seguimento de Jesus Cristo? Em nossa comunidade de fé (e também na sociedade), que boas ações precisam urgentemente ser feitas?

- Viver como filhos da luz. O tempo é sagrado. Caminhamos nesta terra ao encontro do Senhor. Não sabemos quando nem como será. São Paulo nos alerta sobre o que é realmente importante: viver cada momento de modo digno, como filhos da luz. Para isso, é necessária a atitude de vigilância. Se não estivermos acordados, poderemos ser arrastados pela tendência ao individualismo, à indiferença, à droga, à corrupção, ao hedonismo... Poderemos nos fechar em nosso mundo e nos desinteressar pelo sofrimento alheio, pela destruição do planeta... Somos capazes de vislumbrar quais são as consequências provenientes destas duas propostas: viver como filhos da luz e viver como filhos das trevas?

- Com sabedoria e com amor. Há muita gente que põe o sentido de sua vida nos bens transitórios. Podem ter tudo e faltar-lhes a sabedoria. A mulher apresentada na primeira leitura nos indica como viver com sabedoria: no temor ao Senhor, isto é, na submissão ao seu plano de amor. Tudo o que fazemos deve ser realizado com especial dedicação, pensando no bem da família e também das pessoas que passam necessidade. A vida nos foi dada não para sermos escravos do ativismo, e sim para louvarmos a Deus em tudo o que fizermos. Todo momento é propício para amar a Deus e ao próximo.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]