Roteiros homiléticos

23 de novembro – 34º DOMINGO DO TEMPO COMUM / CRISTO REI

Por Celso Loraschi

Opção preferencial pelas pessoas excluídas

I. Introdução geral

O tema central enfocado neste dia em que homenageamos a Jesus Cristo como Rei do Universo é o cuidado preferencial com as pessoas necessitadas. Na I leitura, pela boca do profeta Ezequiel, Deus se revela como o Rei-Pastor que vai ao encontro das ovelhas que se dispersaram por causa da negligência dos maus pastores, os líderes do povo. Ele as recolhe sob o seu cuidado direto. Dispensará a cada uma o tratamento necessário para a sua cura e integridade. O Evangelho de Mateus apresenta a parábola do julgamento final. Jesus identifica-se com as diversas categorias de pessoas sofredoras. O amor a Jesus é sinônimo de amor a cada pessoa em situação de necessidade. É condição para passar no teste do juízo final. Na II leitura, são Paulo proclama aos cristãos de Corinto a fé na ressurreição, tendo Cristo como primicério. Nele, todos receberão a vida. Por Cristo, todos os poderes de morte serão destruídos, até que “Deus seja tudo em todos”. São indicações importantes para nós, hoje, chamados a viver de maneira digna do evangelho, ligando a fé com o compromisso social.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Ez 34,11-12.15-17): Eu mesmo cuidarei do meu rebanho

A vocação profética de Ezequiel nasceu em pleno exílio da Babilônia (século VI a.C.). Sua profecia suscita esperança aos exilados, na certeza da volta para a terra prometida, de onde foram arrancados. O exílio é analisado teologicamente como resultado da infidelidade de Israel à aliança com Deus. A transgressão se dá, especialmente, pelo comportamento negligente das lideranças, conforme podemos constatar pelas denúncias contidas em Ez 34. Aqueles que deveriam ser os cuidadores do povo tornaram-se pastores de si próprios e abandonaram as ovelhas. Agora elas estão dispersas, longe de seu aprisco, à mercê dos aproveitadores estrangeiros. Nessa situação lamentável, Deus intervém de modo a prescindir da mediação das lideranças. É o que enfatiza o texto da liturgia deste domingo.

A caracterização de Deus como o verdadeiro Pastor é comum em vários outros textos do Primeiro Testamento. Por exemplo, rezamos e cantamos frequentemente o Salmo 23(22). Com base na situação cultural da Palestina, onde o pastoreio é atividade cotidiana, os autores bíblicos extraem lições teológicas de especial significado para a fé judaico-cristã.

As pessoas empobrecidas depositam total confiança em Deus. Humilhadas e desprezadas por causa de sua condição social, entregam-se nas mãos daquele que as pode salvar. Desde a origem do povo de Israel, Deus revela-se como o “padrinho” dos abandonados. No contexto do exílio da Babilônia, ele vê a aflição do povo disperso, acolhe o seu grito e intervém para libertá-lo. Os verbos indicam a maneira como age o Bom Pastor: “Cuidarei do meu rebanho, dele me ocuparei, recolherei de todos os lugares, lhe darei repouso, buscarei a ovelha que estiver perdida, reconduzirei a desgarrada, curarei a fraturada, restaurarei a abatida... Eu as apascentarei com justiça”.

Deus julga e age corretamente. Sabe perfeitamente discernir entre ovelhas e ovelhas, entre bodes e carneiros. Não tolera a exploração nem a dominação de uns sobre os outros. Todo o seu rebanho tem o mesmo direito às condições para uma vida digna e saudável. Deus se põe a serviço do povo sofredor: é o que também Jesus vai fazer, bem como deverão fazer os seus seguidores.

2. Evangelho (Mt 25,31-46): O amor que salva

O capítulo 25 de Mateus é formado por três parábolas cujo tema central é a vigilância: a das dez virgens, a dos talentos e a do julgamento final. As três descrevem as atitudes de prudência ou de insensatez com relação à espera da vinda do Senhor. Nessa última parábola, novamente, o cotidiano dos pastores da Palestina serve de fonte de inspiração.

Jesus, o Filho do homem, veio para salvar a todos os povos. Sua prática histórica indicou o verdadeiro caminho da salvação: fez-se servo de todos, dedicando-se prioritariamente às pessoas excluídas. Na concepção da comunidade cristã de Mateus, ele voltará como governante, de modo glorioso, para o estabelecimento definitivo do Reino de Deus. Todas as nações reunir-se-ão ao seu redor. Como verdadeiro Pastor, julgará com justiça. Os critérios de julgamento não serão a pertença a determinado povo (como pensava o judaísmo oficial), nem a esta ou aquela tradição religiosa, nem o cumprimento de todas as leis. Há uma só lei determinante, o amor às pessoas que sofrem necessidades: famintas, sedentas, forasteiras (migrantes), nuas, doentes e presas.

De acordo com o sistema sacerdotal da época, todos esses grupos faziam parte da categoria das pessoas impuras, que traziam o estigma da condenação divina. No entanto, Jesus conhecia muito bem as causas da exclusão social e jamais iria conceber a ideia de castigo divino. Pelo contrário, apresentou o verdadeiro rosto de Deus por meio de seu jeito terno e misericordioso de relacionar-se com as vítimas dos sistemas político e religioso.

A parábola também questiona: “Onde está Deus?” A ideia dominante é que Deus se encontra no templo de Jerusalém. No tempo em que Mateus escreve (pelo ano 85), o templo já não existe: fora destruído pelo exército romano no ano 70. Agora, para os rabinos, Deus está nas sinagogas e naqueles que cumpriam a Lei e, por isso, eram chamados de “justos”. Na parábola, as pessoas justas não são as que cumprem a Lei, e sim as que partilham o pão com os famintos, vestem os nus, acolhem os forasteiros, visitam os doentes e os presos...

Percebemos, então, que a justiça se confunde com a prática do amor ao próximo. Do mesmo modo, Deus e a pessoa necessitada estão em íntima relação: “O que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”. Nem o templo, nem a sinagoga, nem a Lei são “lugares” privilegiados de encontro com Deus, e sim os “pequeninos”. Temos a possibilidade de escolher o caminho de salvação ou de condenação. O Reino de Deus é amor, paz, justiça e fraternidade. Nele não há lugar para o egoísmo.

3. II leitura (1Cor 15,20-26.28): Em Cristo todos receberão a vida

Paulo, no capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios, dedica-se a refletir sobre a verdade da ressurreição, o fundamento da fé cristã. Ele parte da ressurreição de Cristo, fato que vai além de qualquer dúvida. Assim como a morte entrou no mundo por meio da transgressão de Adão, a ressurreição nos é dada pela fidelidade de Cristo. Sofremos as consequências do pecado, mas em Cristo recebemos a graça salvadora. Nele a vida foi definitivamente resgatada. Ele tomou sobre si a nossa natureza humana pecadora e nos redimiu.

A história da salvação continua até a parúsia. O pecado, com suas consequências, será definitivamente destruído. Todas as coisas serão submetidas a Jesus e ao Pai. Então “Deus será tudo em todos”. A redenção, portanto, é graça divina para toda a humanidade e para toda a criação. De fato, formamos uma fraternidade cósmica.

A convicção de fé na ressurreição, bem como a certeza da graça redentora de Jesus Cristo, dá novo colorido aos nossos pensamentos, palavras e ações. Podemos entrar na dinâmica do Espírito e nos deixar transformar segundo a imagem de Cristo. Podemos viver cada momento na perspectiva da vida eterna e nos relacionar de modo fraterno com todas as pessoas e com todas as criaturas.

III. Pistas para reflexão

- Deus é o Bom Pastor que cuida de cada um de nós. O profeta Ezequiel, no meio do povo exilado, suscitou um movimento de esperança e de confiança em Deus. O povo disperso não precisa cair no desespero, pois, sempre que alguém se encontra em situação de sofrimento, Deus intervém de maneira especial. Ele é o governante justo que zela pela vida e pela integridade de cada ser humano. Garante comida, saúde e paz para todos. É o Pastor que busca as ovelhas desgarradas e orienta as que estão sem rumo, trazendo-as para junto de si. Em quem depositamos nossa esperança hoje? Existem ovelhas desgarradas em nossa comunidade? E o que fazemos para zelar pela vida uns dos outros?

- A pessoa necessitada: lugar privilegiado de encontro com Deus. O Evangelho de Mateus fala do julgamento final. Jesus, rei do universo, age com justiça. Identifica-se com as pessoas excluídas. O amor concreto aos que sofrem é o caminho garantido de encontro com Deus e de salvação eterna. Todas as pessoas, de todas as religiões e culturas, podem escolher o caminho do amor, dedicando-se à promoção da vida digna sem exclusão. Em nossos dias, há muitos rostos de pessoas sofredoras. Podemos listá-los de acordo com a realidade de cada comunidade (podemos também conferir o Documento de Aparecida, n. 65).

- Viver na perspectiva da vida eterna. Fomos redimidos por Jesus. Com ele ressuscitaremos. O pecado e a morte são vencidos em Cristo. Desde já, podemos viver de tal maneira que “Deus seja tudo em todos”. Como será o cotidiano de uma pessoa que vive essa convicção de fé?

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]