Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 51-54

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 09 de outubro

Por Marcus Mareano*

Por tudo, agradecer

I. INTRODUÇÃO GERAL

Agradecer sempre, de muitos modos e em todas as circunstâncias e lugares. Essa postura humana propicia encarar a realidade de maneira menos dura, sem dramas e com maior energia para a resolução das adversidades.

A liturgia da Palavra deste domingo apresenta episódios de agradecimento a Deus. Naamã, o sírio, reconhece a cura feita e agradece ao profeta Eliseu. A segunda leitura mostra a gratidão de Paulo a Jesus, fiel a nós mesmo quando somos infiéis. O Evangelho narra a cura de dez doentes, dos quais apenas um volta para demonstrar agradecimento a Jesus. Os outros vão até os sacerdotes a fim de receberem o libelo de cura da doença e retomarem o convívio social. O que agradeceu foi salvo por sua fé.

Apesar de haver tanto para pedir a Deus, cabe-nos reconhecer o que já possuímos e quantas maravilhas ocorrem em nossa vida. Certamente, há desafios para nos amedrontar e contrariedades para superarmos. Entretanto, muito mais temos para louvar e nos motivar a fim de seguirmos encantados no seguimento do Senhor.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (2Rs 5,14-17)

Os livros de Samuel e Reis formam um conjunto narrativo composto para abarcar o período histórico que vai desde os primórdios da monarquia até a deportação do povo para a Babilônia. Os episódios não são meros relatos factuais, como reportagens de um evento, mas sim narrações na perspectiva da fé, para apresentar a ação de Deus na vida do povo.

O texto da primeira leitura se localiza entre várias passagens de ações realizadas pelo profeta Eliseu. Entre elas, há a cura de Naamã, chefe do exército do rei de Aram (5,1). Ele é enviado por seu rei para Israel por ouvir dizer do seu Deus. O profeta é quem o recebe e manda-o lavar-se no rio Jordão (5,10). Naamã se livra de sua doença com esse simples gesto.

O trecho proclamado na liturgia se refere ao momento no qual Naamã retorna, com sua comitiva, ao “homem de Deus” (Eliseu) para agradecer (v. 14-17). Ele reconhece o Deus de Israel e oferece um presente ao profeta. Entretanto, apesar da insistência, Eliseu recusou.

Então, Naamã pede ao profeta um pouco da terra de Israel para carregá-la em seu retorno a Aram. Ele decidiu adorar o Senhor Deus do povo de Israel em vez dos deuses arameus. Assim, seguiu seu caminho de volta “em paz” (5,19).

A cura de Naamã mostra a gratuidade divina, que age de maneira simples em um estrangeiro não pertencente ao povo de Israel. Ele manifesta sua gratidão ao Senhor oferecendo tesouros ao profeta, como se “pagasse” pelo benefício recebido. Eliseu apresenta a dinâmica de Deus, a qual se fundamenta não em relações de troca, mas em benevolência e bondade.

2. II leitura (2Tm 2,8-13)

Se a primeira carta a Timóteo é mais pastoral e traz conselhos práticos, a segunda é mais elaborada teologicamente. Ela teve enorme influência na teologia e na liturgia, sobretudo do Natal e da Epifania, mas a utilizamos também no Tempo Comum.

O texto se inicia com o exemplo do qual Timóteo deveria se lembrar, conforme a pregação de Paulo (Rm 1,3; 1Cor 15,4): o próprio Jesus Cristo, descendente de Davi e ressuscitado dentre os mortos. Por causa de Cristo, o apóstolo sofreu e está acorrentado, embora a Palavra da pregação não estivesse acorrentada. O anúncio cristão continuava a se espalhar por meio dos pregadores, ainda que sofressem ameaças, açoites e mortes.

Paulo suporta tudo por causa dos eleitos, isto é, dos cristãos iniciados, que fizeram profissão de fé (Cl 1,24). Que eles também alcancem, com a glória eterna, a salvação que está no Cristo Jesus. Então, cita uma palavra que é “digna de fé” e por isso deve ser lembrada e decorada. Provavelmente se trata de uma aclamação ou hino utilizado pela comunidade, como, por exemplo, Fl 2,5-11.

Os versículos finais demonstram a atitude de Cristo paralelamente à nossa, para o bem e para o mal (v. 11b-12). Apenas o v. 13 quebra esse paralelismo, ao contrastar, à nossa infidelidade, a fidelidade de Cristo. Essa fidelidade é o amor fiel de Deus no Antigo Testamento (Ex 34,6), aplicado a Cristo (também traduzido por “verdade” em Jo 1,14). Cristo é o amor fiel de Deus encarnado.

Em virtude das intimidações sofridas, os ministros do Evangelho poderiam desanimar e abandonar a fé em Cristo. Talvez isso tenha acontecido com alguns. Contudo, Paulo testemunha sua postura de manter Jesus como seu horizonte existencial. Assim, nós poderemos superar com esperança cristã nossas tribulações.

3. Evangelho (Lc 17,11-19)

Jesus continua seu caminho para Jerusalém na narrativa de Lucas (9,51). No trecho deste domingo, ele passa pelas regiões da Galileia e da Samaria. Eram lugares periféricos e distantes do centro religioso judaico.

Ao entrar em um povoado, vieram-lhe ao encontro dez homens, acometidos pela doença então chamada de lepra, pedindo que fossem curados. Eles deveriam ficar longe e sinalizar, para que outras pessoas não se contagiassem ao se aproximarem deles (Lv 13,45-46). Por isso, antes de chegarem até Jesus, pararam a certa distância e gritaram, pedindo misericórdia ao mestre. O emprego do título de “mestre” demonstra que reconheciam os ensinamentos de Jesus como semelhantes aos de outros líderes judaicos que ensinavam.

Em muitos relatos, Jesus se aproxima, toca o enfermo e o cura. No presente episódio, contudo, Jesus apenas vê o grupo e ordena: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes” (v. 14). De fato, os sacerdotes possuíam a autoridade, conforme as prescrições da Lei (Lv 14,1-32), para declarar quem se encontrava em enfermidade e quem já tinha se curado. Assim, a eles cabia atestar que aqueles dez estavam liberados da situação de exclusão social em que viviam. Nesse caminho, todos ficaram curados.

O relato poderia finalizar desse modo. No entanto, interessa para Lucas destacar a reação de um deles, que, percebendo-se curado, “voltou” para Jesus em vez de seguir adiante para o cumprimento da rotina legal de se apresentar aos sacerdotes. Já não como um excluído, ele glorificava a Deus em alta voz e se prostrou diante de Jesus, agradecendo. O homem em questão era um samaritano, considerado pelos judeus rigorosos como um infiel e um idólatra.

Jesus observa que dez foram curados e apenas um voltou para agradecer-lhe. Os outros nove se preocuparam com a prescrição legal de apresentar-se aos sacerdotes. Conformaram-se com a cura física e continuaram com uma prática religiosa de cumprimento de preceitos. Não reconheceram a novidade da salvação trazida por Jesus.

O homem que voltou para agradecer reconheceu algo mais naquele que o curara. Jesus não era como os outros mestres da Lei; seu ensinamento acontecia por meio de ações transformadoras. A vida do samaritano tinha mudado por causa da cura e pelo encontro que teve com Jesus. A gratidão dele foi oportunidade de experiência da salvação. Ele escutou: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou!” (v. 19).

Desse modo, o agradecimento gerou uma relação mais profunda e fecunda entre aquele que voltou e Jesus. Enquanto os nove apenas ouviram a palavra de longe, o que voltou agradecido prolongou seu encontro, reconheceu que Jesus era distinto dos outros mestres e acolheu a salvação em sua vida.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Olhando para nossa história pessoal, para tantos acontecimentos pelos quais passamos e para tudo que já vivemos, temos muito para agradecer, sempre. Algumas vezes nos habituamos a reclamar e a olhar para o que ainda não está tão bom. Somos convidados a cultivar uma atitude agradecida com relação a Deus.

A celebração eucarística é o momento oportuno para isso. Etimologicamente, Eucaristia significa “ação de graças”. Neste domingo, no qual essas leituras são proclamadas, acentuamos mais esse aspecto da celebração e nos comprometemos a viver o que rezamos.

A fé cristã exige uma postura de alegria, de leveza de vida, de afetos sinceros e ações bondosas, porque experimentamos a salvação realizada por Jesus. Assim afirma o papa Francisco desde sua primeira encíclica: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (EG 1).

O homem curado que “voltou” a Jesus para agradecer experimentou a salvação. É tempo de “voltarmos” para o Senhor agradecidos por tantas maravilhas em nossa vida. Nosso reconhecimento de que ele faz por nós tantas coisas nos conserva encantados pelo mistério da vida.

Marcus Mareano*

*é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]