Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 62-64

30 de junho – SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

Por Ir. Izabel Patuzzo, pime*

Dois testemunhos de fidelidade à vocação apostólica

I. INTRODUÇÃO GERAL

Hoje celebramos a solenidade de dois apóstolos que tiveram grande importância na Igreja primitiva: Pedro e Paulo. Cada qual com sua personalidade e missão, são considerados os dois pilares da Igreja. Embora tenham sido martirizados, em datas diferentes, sob imperadores romanos que ordenaram a perseguição aos cristãos em todo o Império Romano no primeiro século, são venerados juntos, em 29 de junho ou no domingo próximo. A primeira leitura nos fala sobre a miraculosa fuga de Pedro da prisão, pois um anjo veio e o libertou. A segunda leitura apresenta, em forma de testamento, o olhar retrospectivo de Paulo sobre como ele respondeu ao chamado de Jesus Cristo e se comprometeu com o Evangelho. O Evangelho segundo Mateus nos mostra por que o apóstolo Pedro é tão importante em nossa história cristã: ele proclama claramente que Jesus é o Cristo e o Filho do Deus vivo. Jesus, por sua vez, diz que estabelecerá sua Igreja sobre a pessoa de Pedro, identificado com a firmeza de uma rocha.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. I leitura (At 12,1-11)

O texto que nos é proposto para a primeira leitura encerra o primeiro ciclo da missão da Igreja na perspectiva de Lucas. O autor dos Atos narra a perseguição sofrida pela Igreja, o que não impede sua missão e expansão no mundo. Se, por um lado, a perseguição faz parte de um projeto político do Império Romano, com a aprovação de algumas autoridades religiosas judaicas, por outro, Deus se serve desses acontecimentos para expandir o anúncio do Evangelho a outros lugares.

O pano de fundo dessa leitura é o fato de a comunidade cristã, representada por Pedro, ter como missão dar testemunho da fé em Jesus Cristo e de seu projeto de salvação até os confins do mundo e, por isso, não se fechar diante das ameaças e perseguições. A Igreja nasce pela ação do Ressuscitado, que envia seus discípulos em missão, fortalecendo-os com o dom do Espírito Santo.

A história de Pedro que hoje nos é narrada garante-nos que, nos momentos de perseguição e oposição, Deus está próximo de nós. Também nos ensina que a unidade dos membros da comunidade cristã e sua oração são essenciais para a perseverança na missão. A perseguição não atingiu apenas a pessoa de Pedro, mas também os outros membros da comunidade e impactou a todos. A presença do Ressuscitado e do Espírito Santo, por sua vez, é reconfortante e libertadora. Por isso, a Igreja não se fecha em si mesma e continua com coragem o anúncio do Evangelho. A oração se torna, assim, forte corrente de fé e de solidariedade com os membros que estão diretamente sofrendo com as provações da vida apostólica.

2. II leitura (2Tm 4,6-8.17-18)

A segunda leitura apresenta o discípulo Timóteo como o destinatário dessa carta pastoral. Ele era um cristão da Ásia Menor, de origem greco-judaica, que foi catequizado por Paulo, tornando-se seu companheiro de missão e servindo em várias comunidades cristãs da Ásia Menor. Segundo a tradição, foi o primeiro bispo da Igreja de Éfeso. Essa carta provavelmente foi escrita por um discípulo de Paulo, pois já não reflete a realidade de primeiro anúncio desenvolvida pelo apóstolo, e sim de solidificação e de fortalecimento da identidade cristã.

De qualquer forma, o autor sagrado que escreve essa carta refere-se a Paulo como uma pessoa que se deixou transformar integralmente pelo amor de Jesus Cristo e seu Evangelho. A carta é situada em uma época em que as comunidades cristãs enfrentavam perseguições sistemáticas, seja por parte do Império Romano, seja por parte de judeus radicais. Por isso, o autor põe na boca de Paulo o lamento de um homem cansado, que tem consciência de ter oferecido sua vida como dom aos irmãos e chega ao final se sentindo sozinho na caminhada – o que não o impede, contudo, de elevar uma prece de louvor a Deus pela sua presença contínua em sua vida. Está convencido de que Deus está com ele e de que a glória futura que herdará não se compara com os sofrimentos da vida presente. É a atitude madura do apóstolo que põe toda a sua vida a serviço da Igreja e dos irmãos, sem esperar nada em troca.

3. Evangelho (Mt 16,13-19)

O episódio relatado neste domingo situa-se no norte da Galileia, em Cesareia de Filipe. Ele ocupa um lugar central no Evangelho segundo Mateus. Jesus está em plena atividade com seus discípulos, quando começa a ficar mais evidente sua morte na cruz. Depois do êxito inicial de sua missão pública, ele começa a encontrar resistências e oposições por parte de autoridades religiosas judaicas.

A leitura apresenta duas partes distintas. Na primeira parte, Jesus interroga duplamente seus discípulos: acerca do que o povo pensa a seu respeito e do que seus discípulos pensam dele. O povo, em geral, vê em Jesus uma continuidade com profetas do passado, não consegue apreender a novidade que Ele significa. Apenas o reconhece como uma liderança religiosa chamada e enviada por Deus em favor de seu povo. Portanto, na opinião da multidão, Jesus é um homem bondoso, justo, generoso, que acolhe os pobres, os excluídos, os pecadores, as mulheres, enfim, todas as categorias de pessoas que eram discriminadas pelas autoridades judaicas.

Quanto à opinião dos discípulos acerca de Jesus, vai muito além daquela que tinha a população comum. Pedro, em nome da comunidade dos discípulos, faz a profissão de fé, confessando que Jesus é o Messias, o enviado de Deus. Definir Jesus como Filho de Deus significa reconhecer que sua origem é divina, que ele está em profunda comunhão com Deus e seu projeto de vida vem de Deus. Diante dessa confissão de fé, Jesus felicita Pedro por ter tanta clareza acerca de sua identidade. No entanto, essa compreensão não é mérito do apóstolo, pois se trata de verdade revelada por Deus. Ainda assim, Jesus declara que Pedro é a rocha sobre a qual construirá sua Igreja. A ele entregará as chaves, porque estas serão entregues a alguém de sua plena confiança. É grande a confiança que Jesus deposita em Pedro. É a essa comunidade representada por esse apóstolo que Jesus confia a missão de cuidar de suas ovelhas. Certamente o protagonismo de Pedro era muito conhecido na comunidade de Mateus, na qual provavelmente ele teve um papel muito importante, que não foi esquecido.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

As leituras da solenidade de Pedro e Paulo apóstolos nos convidam, como membros batizados da Igreja, a viver as dimensões tanto do testemunho de Pedro quanto do de Paulo em nossa vida. Somos chamados a ser uma rocha forte, estável, segura e, ao mesmo tempo, ter o espírito missionário.

Esses dois apóstolos, que deram grande testemunho de fé em Jesus Cristo, tinham origens completamente diferentes; um era pescador, o outro um estudioso, profundo conhecedor das tradições de seu povo. Um caminhou pessoalmente com Jesus por anos, o outro o encontrou após a ressurreição. Nem sempre concordavam. Porém, suas vidas e ministérios tinham paralelos notáveis. Seus caminhos nem sempre foram fáceis: ambos foram aprisionados várias vezes; ambos foram libertados milagrosamente da prisão; ambos dedicaram a vida inteira à construção da Igreja; e ambos deram a vida como mártires da fé.

Mesmo que Pedro e Paulo sejam diferentes, são necessários na Igreja, porque se complementam. Precisamos de estabilidade, simbolizada por Pedro, e de mobilidade, caracterizada por Paulo. Ambos os dons são necessários, e por isso é importante vê-los como partes do corpo que trabalham juntas para um propósito. Somos uma comunidade de pessoas, e alguns de nós gostam de viajar como missionários, enquanto outros preferem ficar em casa.

Assim como o Senhor chamou São Pedro e São Paulo de maneiras diferentes, somos chamados de várias maneiras para segui-lo ao longo de nossa vida. Não podemos ignorar esse chamado. Cumpre-nos ouvi-lo e responder generosamente. Como São Paulo, lutemos a boa luta, correndo em direção à linha de chegada, perseverando na nossa fé.

Ir. Izabel Patuzzo, pime*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]