Roteiros homiléticos

30 de novembro – 1º DOMINGO DO ADVENTO

Por Celso Loraschi

A argila nas mãos do oleiro

I. Introdução geral

Estamos iniciando novo ano litúrgico, entrando no Advento, tempo de renovar as esperanças, na expectativa da vinda de Jesus. “Vigiai!” é a advertência do próprio Jesus a seus discípulos. Todo momento é propício para acolher o Salvador. Que ninguém seja surpreendido (evangelho). O amor de Deus se manifestou na história do povo de Israel e, de forma plena, por meio de Jesus Cristo. Séculos antes do nascimento de Jesus, o povo dirigia-se a Deus como Pai e Redentor. Mesmo com as infidelidades dos seus filhos, o Pai permanece fiel à aliança de amor. Ele perdoa e protege os pecadores arrependidos; está próximo de quem pratica a justiça e age em favor de quem espera nele. Deus Pai nos educa e nos transforma: nós somos a argila, e ele é o oleiro (I leitura). Sua graça foi derramada abundantemente sobre todos nós por meio do seu Filho, Jesus. Paulo constata o efeito dessa graça no comportamento dos cristãos de Corinto. Também a nós, hoje, Deus concede todos os dons para sermos irrepreensíveis na esperança da plena revelação de Cristo (II leitura). Conduzidos pelo espírito da palavra de Deus contida nas leituras deste domingo, preparamo-nos de modo digno para o Natal, voltando ao caminho do amor e da fidelidade a Deus e ao próximo.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mc 13,33-37): Vigiai, vigiai, vigiai!

Nos últimos domingos, os textos do evangelho enfatizaram o tema da vigilância. Mergulhados no clima das primeiras comunidades cristãs, os evangelistas orientam para o modo digno de viver na expectativa da segunda vinda de Jesus. Também hoje, o Evangelho de Marcos insiste na atitude de vigilância. É tema oportuno para o início de novo ano litúrgico e a entrada no tempo do Advento.

O acontecimento histórico que está por trás das reflexões contidas no capítulo 13 de Marcos é a destruição do templo e da cidade de Jerusalém pelo exército romano, no ano 70. Foi enorme o impacto dessa catástrofe, que arrasou os símbolos maiores da fé judaica, provocou a morte de muita gente e forçou a fuga de quem havia conseguido se salvar. Muita gente do povo foi pega de surpresa.

A comunidade de Marcos extrai desse acontecimento, à luz da fé em Jesus Cristo, importantes lições que orientam o modo de viver dos cristãos. Trata-se de uma exortação para a vigilância. Por três vezes, nesse pequeno texto, aparece o imperativo: “vigiai!”

Como em vários outros momentos, o evangelista faz uso da parábola (recurso que Jesus deve ter usado frequentemente) para despertar a atenção e levar à reflexão e a conclusões pessoais. Os “servos” e o “porteiro” são os membros da comunidade, convocados a não “adormecer” (seduzidos pelas propostas de um mundo afastado de Deus) nem desanimar diante das perseguições e de todos os tipos de dificuldades. Uma dessas dificuldades, evidentes no Evangelho de Marcos, é a disputa interna pelo poder, como podemos constatar nos três anúncios da Paixão (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). Jesus insiste na prática do serviço: “Aquele que dentre vós quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos” (10,43-44). Quem leva a sério essas palavras de Jesus é “servo vigilante”. Não precisa temer a hora em que voltará o Senhor...

A parábola termina com a frase: “O que eu vos digo, digo a todos: vigiai”. Portanto, a exortação de Jesus é, em primeiro lugar, para os discípulos que se encontram ao seu redor e a todos os que viriam depois deles. Hoje é dirigida a todos nós que temos a graça de ouvi-la e praticá-la.

2. I leitura (Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7): Deus é nosso Pai e nosso Redentor

Esse texto do Terceiro Isaías consiste numa súplica dirigida a Deus, na qual o povo confessa os seus pecados e reconhece a soberania divina conforme foi revelada na história de Israel. A situação que transparece é de desolação nacional. Somente a intervenção de Deus poderá salvá-lo. Não seria a primeira vez: em muitos outros momentos de desgraça, Deus ouviu o clamor do seu povo. Nesse sentido, a memória histórica funciona como importante elemento de animação da esperança.

A época da redação do Terceiro Isaías é em torno do ano 420 a.C. A comunidade judaica pós-exílica está organizada sob o domínio dos persas. O templo está reconstruído e o sistema sacerdotal de pureza está imposto. Boa parte da população sofre as consequências da exploração econômica e é excluída do templo por ser considerada impura.

O texto que hoje meditamos reflete a perplexidade desse povo socialmente pobre e religiosamente excluído. A esperança está em Deus. Ele é Pai e Redentor. O termo hebraico go’el (redentor) faz parte da tradição histórica de Israel: é aquele que resgata a dívida dos pobres. Se o sistema religioso oficial rejeita os “impuros”, Deus os acolhe, perdoa e redime. O texto reivindica o governo direto de Deus, transcendendo as mediações humanas. Os justos não são os que seguem o legalismo do templo, e sim os que depositam a confiança em Deus. O Deus de Israel sempre agiu a favor dos que esperam nele. “Tu te achegaste àquele que, cheio de alegria, pratica a justiça; aos que, seguindo pelos teus caminhos, se lembram de ti” (Is 64,4a).

A experiência do povo, porém, naquele momento, é marcada pela sensação de estar abandonado pelo próprio Deus. Ainda assim, o povo não abdica da confiança. A súplica transforma-se em arrependimento pelas transgressões, com firme propósito de emendar-se e deixar-se moldar por Deus Pai: “Tu és nosso Pai, nós somos a argila; e tu és o nosso oleiro, todos nós somos obras de tuas mãos” (64,7). Essa bela confissão pode muito bem tornar-se, para cada um de nós, um caminho de espiritualidade neste tempo de Advento e na caminhada ao encontro definitivo com Deus.

3. II leitura (1Cor 1,3-9): Deus nos chama à comunhão

Paulo manifesta sua alegria diante do testemunho cristão revelado pela comunidade de Corinto. Ao longo da carta, ele oferecerá diversas orientações para o crescimento ainda maior dos participantes daquela igreja. Já na introdução, expressa uma ação de graças a Deus e incentiva os cristãos à fidelidade ao Senhor Jesus Cristo. A comunidade de Corinto era formada, em sua maioria, por gente que não era sábia segundo a lógica do mundo, não era poderosa e não tinha prestígio social. Em outras palavras, eram pessoas consideradas sem valor (cf. 1Cor 1,26-27). Então, quais são os motivos da ação de graças?

Os motivos que Paulo enumera são vários: ele diz que a comunidade acolheu “a graça de Deus dada através de Jesus Cristo”; também diz que Jesus cumulou a comunidade “de todas as riquezas: da palavra e do conhecimento”; alegra-se ainda porque “o testemunho de Cristo tornou-se firme a tal ponto que não falta nenhum dom”. É também uma comunidade que está vigilante, à espera da “revelação de nosso Senhor Jesus Cristo”.

São motivos de exultação para Paulo, pois foi ele que primeiramente anunciou o evangelho em Corinto, ao redor do ano 50. Estabeleceu-se por lá, na casa de Priscila e Áquila, durante um ano e meio. Fez questão de trabalhar para não depender da ajuda alheia. Aprendeu a renunciar ao egoísmo farisaico para seguir a Jesus Cristo crucificado, unindo-se aos “crucificados” da sociedade. Organizou a comunidade cristã... Agora, Paulo, cinco anos depois, encontra-se em Éfeso e recebe a notícia de que a comunidade continua viva e atuante.

Então, Paulo, como bom evangelizador, não perde a oportunidade de animar os seus filhos espirituais, dizendo que Cristo os “fortalecerá até o fim, para que sejam irrepreensíveis”. E lembra-lhes qual vocação receberam de Deus: a comunhão com Jesus. A “comum-união” é o que caracteriza as famílias e as comunidades cristãs. É o jeito de ser das pessoas que seguem a Jesus. A fé e a unidade andam juntas.

III. Pistas para reflexão

- Somos servos vigilantes? Jesus sabe que enfrentamos dificuldades de toda espécie no caminho da santidade. Vivemos pressionados por muitas propostas atraentes e enganosas. Não podemos “dormir”, como quem se deixa levar pelo espírito de alienação, indiferença e acomodação. O evangelho que ouvimos insiste na atitude da vigilância. O servo vigilante é aquele que vence o egoísmo pela prática do amor-serviço. O tempo de Advento é propício para avaliar as nossas atitudes cotidianas: somos servidores “vigilantes” ou somos egoístas “dorminhocos”?

- Somos argila nas mãos do Oleiro? Temos a oportunidade de participar deste tempo de graça que é o Advento. Não podemos desperdiçá-lo com distrações que nos desviam do essencial: acolher Jesus Cristo de forma digna. O texto de Isaías nos lembra que Deus é nosso Pai querido: ele nos criou e nos educa. Quando erramos e nos arrependemos, ele nos perdoa. Ele é o Redentor (go’el) que assume as nossas dívidas e nos oferece nova oportunidade para sermos pessoas verdadeiramente livres. Sejamos como a argila nas mãos do oleiro: Deus nos corrige, molda-nos, transforma-nos e nos realiza plenamente. O que está impedindo a ação do divino Oleiro em nossa vida? Quando e como estamos manifestando resistência à sua graça?

- Vivemos em comunhão? São Paulo alegrou-se profundamente com o testemunho cristão da comunidade de Corinto. Ressaltou o chamado que Deus nos faz para viver e promover a “comum-união”. Certamente conhecemos as consequências de uma comunidade desunida e também os ótimos frutos produzidos por uma comunidade unida... A preparação para o Natal não pode ser apenas pessoal, mas também familiar e comunitária: como estamos vivendo a comunhão com Deus e entre nós?

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]